Hesitei muito em abordar o assunto da descriminalização dos usuários de maconha por um simples fato: não tenho “lugar de fala”, como dizem os progressistas. Nunca usei, nunca tive sequer curiosidade, na verdade tinha nojo quando sentia aquele cheiro doce e enjoativo no ar em alguma festa ou show de rock que frequentava na adolescência. Nunca fumei sequer cigarro, porque tenho apreço pelos meus pulmões (e que isso não ofenda ao leitor que é fumante, na verdade aposto que já tentou parar várias vezes justamente por se preocupar com o impacto disso na sua saúde).
Mas, como cidadã, uma coisa me incomodou demais nessa canetada incoerente do STF: o usuário de maconha pode fumar seu baseado em paz (ou vários baseados com as 40 gramas despenalizadas, digamos assim), contudo não poderá comprar a cannabis legalmente. Até onde se sabe, vender maconha continua sendo crime. Cria-se assim mais uma daquelas bizarrices típicas de país de terceiro mundo, onde ter a posse de um entorpecente não infringe a lei, mas quem quiser obter o tal entorpecente vai precisar obrigatoriamente interagir com criminosos.
Países como Holanda, Canadá e o Uruguai, que optaram pela descriminalização, ao menos tiveram a coerência de oferecer ao usuário a possibilidade de adquirir a erva por meios legais em farmácias e outros estabelecimentos devidamente fiscalizados por autoridades competentes. Contudo, no nosso vizinho Uruguai, os crimes relacionados ao narcotráfico continuaram a crescer mesmo com a concorrência do mercado legalizado, e isso é um dado muito preocupante que se deve levar em conta antes de novas decisões.
Outra coisa que me deixa preocupada é que no Brasil há uma imaturidade generalizada para lidar com certos temas. Debates sérios como este acabam caindo em discussões absurdamente rasas, sem o devido amparo de estudos jurídicos, médicos, sociais, econômicos e psicológicos, e quem sofre é a sociedade como um todo. Vários usuários comemoraram a decisão do STF com um discurso imbecil do tipo “meu baseado, minhas regras”, mas ignoram o fato de que uma pessoa em estado ébrio precisa ter, no mínimo, a noção de seu espaço: o “onde” consome sua droga faz toda diferença.
Quem opta por usufruir do direito de se entorpecer deveria ter a responsabilidade de fazer isso dentro de sua casa, em espaços específicos e seguros que não coloquem ninguém em risco, de preferência bem longe de parques e de escolas onde há presença de crianças e de adolescentes (por motivos óbvios). Infelizmente, sabemos que o brasileiro em geral não tem lá muita noção de que seu direito ao uso recreativo da maconha acaba onde começa o direito do outro de ter segurança. Droga não é só “recreação”: o álcool liberado, por exemplo, já causa inúmeros acidentes de trânsito e mortes, além de tristes dramas familiares. É inegável a trágica verdade de que nem todo mundo consegue lidar de forma madura, controlada e responsável quando em posse de uma substância tóxica que altera sua percepção de realidade. E esta era a discussão que deveria ter vindo em primeiríssimo lugar.