“Os seres humanos foram feitos uns para os outros. Ensine-os ou os aguente.” Marco Aurélio (121 D.C. – 180 D.C.)
Ontem assisti pela tv à bela e emocionante cerimônia do acendimento da chama olímpica na Grécia, exatamente 100 dias antes do início dos Jogos Olímpicos de Paris. A cerimônia começa no antigo templo de Hera e segue tradições milenares, como a presença de sacerdotisas e o uso de um instrumento solar chamado skaphi. O skaphi é um tipo de espelho côncavo onde se deposita grama seca: com a concentração dos raios solares num único ponto, a grama incendeia dando origem ao fogo olímpico. Depois, a tocha olímpica é acesa e se inicia o revezamento em várias cidades até, finalmente, ser conduzida para dentro do estádio sede na abertura das Olimpíadas.
Acredito que povos antigos evoluídos como gregos e romanos nos deixaram tradições que, além de belas, nos obrigam a pensar nas formas mais elevadas que a humanidade desenvolveu para se conectar. A proposta das Olimpíadas tem muito a ver com o conceito de sympatheia da filosofia estoica, que se refere à interconexão ou harmonia do universo, em que todas as coisas estão unidas e entrelaçadas numa espécie de teia cósmica. Reunir diferentes povos, raças, credos e culturas num evento com um objetivo em comum — uma competição atlética e esportiva — não deixa de ser um modo de mostrar, de forma concreta, o quanto essa interconexão é real e positiva.
A imensa maioria dos bilhões de habitantes desse planeta se deixa tomar por esse sentimento de comunhão de quatro em quatro anos: torce, se inspira e se motiva com os atletas e suas histórias de superação numa linguagem em comum, a da emoção. Eu, sinceramente, torço para que a Olimpíada de Paris, que acontecerá de 26 de julho a 11 de agosto, seja o necessário momento de pausa e reflexão de que o mundo precisa hoje. Cada vez mais parece que estamos nos encaminhando para um conflito tenebroso de alcance mundial. Por mais distantes que pareçam, as bombas e os atos terroristas lá do outro lado do Atlântico espalham terrores e sofrimento aqui no Brasil.
Os estoicos acreditavam em viver de acordo com a natureza e em aceitar a interconexão de todas as coisas como um meio de alcançar paz interior e tranquilidade. Partindo desse princípio – de que tudo no universo está conectado —, qualquer mudança ou ação em uma parte do cosmos afetará o todo. Por muito tempo o Ocidente democrático e desenvolvido fez vista grossa para práticas antiéticas e imorais que aconteciam aqui e ali criando um abismo quase instransponível entre povos. Agora temos de lidar com as consequências disso, incluindo observar horrorizados o tanto de poder nas mãos de seres deploráveis que parecem desejar que o circo pegue fogo de vez.
Que este circo não seja Paris 2024. Que Munique 1972 não se repita. Que os jogos ocorram em paz e se tornem, de novo, a materialização da sympatheia chamando todos ao bom senso.