Baseada na cidade de Lexington, próxima de Boston no Estado de Massachusetts nos Estados Unidos, está uma caxiense em cargo de direção da Keurig Dr Pepper, empresa do ramo de bebidas. Juliana Saretta, 50 anos, foi convidada a ser executiva da corporação em 2018, com a fusão da Dr.Pepper Snapple, terceiro maior grupo do setor de refrigerantes na América do Norte, com a empresa de café em cápsulas, a Keurig. Os investidores responsáveis são os mesmos que comandam marcas de café, como a Pilão, no Brasil.
Como vice-presidente de compras para a Keurig DrPepper, comanda um time de 30 pessoas espalhadas pelos Estados Unidos que maneja um orçamento de compras de aproximadamente 5 bilhões de dólares ao ano.
Em mais de 20 anos de carreira nos Estados Unidos, Juliana já residiu em quatro regiões diferentes, onde trabalhou também na Mars e construiu a maior parte de sua carreira. A empresa é uma líder mundial em alimentos, de controle 100% familiar, conhecida por atuar nos segmentos pet, com marcas como Pedigree, e no de doces, como M&M's e Snickers. Antes disso, já tinha morado em Buenos Aires atuando nesta mesma companhia.
Mas foi ainda no Brasil, trabalhando na multinacional que hoje é a Yara fertilizantes, que deu os seus primeiros passos e conheceu o companheiro Eduardo. A seguir, ela conta como o apoio familiar e de sua rede de relacionamentos a levou rumo a carreira internacional que sonhava desde criança:
Como iniciou a tua carreira internacional e como foi o caminho até alcançar um posto tão alto em uma fabricante de bebidas?
Estou há 20 anos nos Estados Unidos e há dois anos e meio na Keurig Dr Pepper. É o quarto estado americano que experimento: Nova Jersey, Pensilvânia, Califórnia e, agora, Massachusetts. Em Los Angeles fiquei por muitos anos e foi onde tive a Olívia, nove anos, e a Isabela, oito. Meu marido é de Porto Alegre e da área de comércio exterior. Viemos juntos, em 2001, por uma questão profissional dele, mas tivemos sorte na nossa trajetória internacional, de um conseguir acompanhar o outro em quase todas as transições. Primeiro fomos para Buenos Aires. Eu fui transferida para lá quando estava na Mars. Depois ele foi para Nova Jersey. A gente andou muito... Mas, quando olho para minha carreira, pelo fato de ser mulher, de ter me tornado mãe tarde, com 41 e 42 anos, vejo que ela só foi possível por eu ter no Eduardo um parceiro que possibilitou isso. Chegou um momento na nossa vida em que ele optou por ficar em casa com as crianças. Uma situação de papel inverso que aqui nos Estados Unidos é cada vez mais comum, mas que no Brasil ainda é visto com estranheza. O brasileiro está evoluindo muito, mas ainda tem um certo machismo na questão de quem está no controle profissional e quem está administrando a família. Mas foi isso que me possibilitou alcançar voos melhores. Sempre acreditei em dupla carreira porque foi o que sempre vi em casa. Para mim os papeis sempre foram muito iguais. Achei que continuaríamos assim, mas teve um momento que fez sentido fazer a escolha, isso ocorreu no nascimento da Olívia. A empresa que ele trabalhava foi vendida, e ele resolveu se aposentar. Somos essa família liderada financeiramente por uma mulher.
Como a experiência em Caxias e os exemplos familiares contribuíram para tuas escolhas profissionais?
Meu pai, Mércio Antonio Saretta, que completou 85 anos, sempre foi um empreendedor. Advogado de formação, mas nunca advogou. Ele e os irmãos tiveram uma indústria de utensílios domésticos. Sempre vi intensidade dele no fazer as coisas acontecerem, mesmo com todas as dificuldades. Dele tenho essa obstinação. A empresa não existe mais, mas a Metalúrgica Saretta teve um papel muito importante para todos na família, porque mostrou a garra em trabalhar, e a ética profissional. Minha mãe, Beatriz Saretta, é uma artista, extremamente criativa, toca instrumentos, participa do Vocal sem Batuta, é professora com formação em História e Educação Física. Apesar de sempre trabalhar integral, era muito presente, e me influenciou a ver e explorar outros lugares. Ela veio de uma cidade pequena, foi para o colégio interno em Caxias, e sempre quis viver de forma independente e conhecer novos lugares, por isso foi para Porto Alegre para cursar a faculdade e, para mim, esse era o caminho a seguir (Juliana tem formações na área de negócios pela UFRGS, PUC-RS e Universidade da Califórnia). Voltando a essa questão dos exemplos, quando criança, quem me fez enxergar que era possível ver o mundo foi uma prima minha, Flávia Saretta, que era professora de línguas. Muito jovem eu comecei a estudar inglês para me preparar para uma carreira internacional, que eu nem sabia o que seria, e muito pelo que eu a via fazer. Ela se formou em Caxias, depois fez formação na Alemanha. Eu enxergava isso, e via que era possível, porque ela fez. Na noite que foi declarada a vitória de Joe Biden (presidente dos Estados Unidos), estávamos acompanhando, e a Kamala Harris, no seu primeiro discurso como vice-presidente eleita, deixou um recado claro. Ela disse às meninas da América que têm um sonho, que ele é possível e que ela estava ali para provar. Minha filha menor falou para a maior: ela está falando conosco, da gente. É um exemplo vivo de ver dentro da própria casa o poder do exemplo. Querer, pensar que pode são parte da realização. Mas enxergar alguém que já trilhou dá certeza que você pode fazer acontecer. Mas depende do que tu queres, entender o que te faz feliz, se preparar e buscar. Eu comecei a aprender inglês com 12 anos, com aulas particulares, justamente para me preparar. Mas queria destacar a importância desses mentores na tomada de decisões de carreira. Sempre conto com a ajuda ou de familiares, amigos de longa data ou de pessoas que fui conhecendo com minha profissão. Nutrir esses relacionamentos é fundamental. Sou obstinada por networking. Adoro isso, não é algo que faço forçado. Esse ecossistema de relações humanas é que dá o suporte para qualquer um deslanchar.
Quais os principais campos em que já atuou?
Quando eu me formei, achava que ia trabalhar em marketing. Mas acabei entrando na empresa gaúcha de adubos Trevo, que foi vendida, e hoje é a Yara. Entrei como trainee para trabalhar na área de compras e suprimentos, e era uma empresa com uma atuação bem global nessa parte. Ali que comecei na área de supply chains (gestão da cadeia de fornecimentos). Fiquei ali por dois anos e meio. E foi aí que a Mars, que tinha sede em Eldorado do Sul, me chamou. Começava então uma carreira de quase 20 anos onde rodei muito. De Porto Alegre fui para São Paulo, onde participei do projeto de construção da maior fábrica de Petfood da Mars na América do Sul. Depois, fui a Buenos Aires, onde fui responsável pela unidade de compras de toda a América do Sul, com exceção do Brasil. Ali “poli” meu espanhol, que já tinha estudado. Todo período em que estive na América Latina na Mars, por cinco anos, sempre atuei no segmento de pet.
Quando fui para New Jersey, fui para o setor de candy (doces). Nessa fase, passei da área de compra de insumos para compra de serviços, incluindo mídia e propaganda. Foi um período de grande crescimento pessoal e profissional, pois estava chegando nos Estados Unidos e de cara estava trabalhando com um setor atreladíssimo à cultura do país e aos hábitos dos consumidores. O desafio era encontrar a mídia mais eficiente para levar a mensagem da marca ao consumidor. Aprendi muito, tive uma imersão cultural importantíssima para minha assimilação ao país, e ganhei muita confiança pois vi que a empresa me considerava capaz de desempenhar esse papel mesmo sendo uma imigrante brasileira.
Nos últimos 10 anos da minha carreira na Mars, passei a liderar supply chains completas, incluindo manufatura, suprimentos, logística. A Mars é uma empresa de mais de 35 bilhões de dólares, que está na quarta geração da família no controle, com segmentos muito bem estabelecidos, com pet e candys, e segmentos menores, como o de arroz e o de café. Foram cinco anos nesses segmentos que me conectaram muito com o Brasil também. Minha última atuação com café é que pavimentou o caminho para a empresa que estou hoje.
E como está sendo liderar na Keurig Dr Pepper?
É uma empresa líder no mercado americano com café de cápsulas. A Mars tinha um segmento pequeno que foi vendido para a empresa italiana Lavazza. Tenho adoração pelo segmento de café, pois nossas marcas participam da rotina diária de milhões de pessoas, muitas delas (como eu) começa o dia com seu ritual favorito, uma boa taca de café! O Brasil é o maior produtor mundial de café e também um grande mercado consumidor. Sinto orgulho de participar do ramo cafeteiro já há muitos anos e feliz por conhecer bem essa commodity tão importante para o Brasil.
A Keurig Dr Pepper é uma empresa de capital aberto, cujo acionista majoritário é um grupo de investimento europeu. Eu comecei justo quando a empresa estava sendo formada a partir da fusão com a empresa de refrigerantes e sucos. É muito bacana começar quando as culturas estão sendo assimiladas. E com o desafio de trabalhar com produtos distintos, a bebida quente, o café, e as frias, os refris e sucos. Mas o consumidor é o mesmo. E o nosso papel como empresa de bebidas é achar os pontos de conexão para facilitar o consumo. A empresa vem crescendo bastante.
Essa jovem de três anos de vida tem sido muito bem-vista pelos analistas de mercado pois foi a primeira a combinar marcas de bebidas quentes e frias em um mesmo portfólio. Usamos a cadeia de produção e distribuição de forma eficiente, compartilhando aprendizado de um segmento para o outro. Menos de um ano após a nossa fusão, a Coca-Cola adquiriu uma empresa de café na Europa, sua primeira aquisição nesse segmento, um sinal de que a nossa proposta como empresa está sendo entendida pelo mercado e emulada pelos concorrentes. As ações da nossa empresa valorizaram mais de 60% desde a concepção da empresa