Há dias de puro cansaço. E é apenas março. Mas parece que já faz um ano que o ano começou. Sensação já bem conhecida. Presumo que estejamos (re)vivendo essa sensação desde de 2020, quando começamos a enfrentar a pandemia. Mas será apenas isso? Penso que a resposta seja bem mais complexa. Há um cansaço do tempo que vivemos, mas também do espaço. Há um cansaço de ver se repetir a vida. E entra ano e sai ano e parece que não vivemos de verdade. Sempre correndo atrás da máquina, buscando condições melhores de vida, pagando impostos, contas e esperando o fim de semana para descansar. Mas no fim de semana temos de organizar nossa semana. Daí a sensação de um looping eterno. Talvez estejamos cansados disso, também. Dessa roda de samsara em que nos metemos. Sim, para além das exigências do dia a dia, somos responsáveis pela vida que levamos. Manobramos nossa existência como se fosse um grande navio a atravessar o oceano. Fazemos força. Puxamos nossa embarcação para o lado que achamos melhor. Pesquisamos nosso mapa de navegação. Retraçamos a trajetória. Levantamos âncora. Baixamos âncora. Levantamos outra vez. Há dias de calmaria e há dia de pura tempestade. E há dias que realmente parece que vamos naufragar.
Talvez tivéssemos que aprender a largar a direção. Soltar. Deixar que o mar nos carregue um pouco e nos mostre ele, a direção. Estamos tão preocupados em chegar a algum lugar (que nem sempre sabemos onde é), que talvez o melhor seja seguir a filosofia do sábio Zeca Pagodinho e deixar a vida nos levar. Ouvi isso fim de semana passado, num encontro entre pessoas já queridas e fiquei refletindo. Sim. Às vezes é preciso que tenhamos coragem de apenas fluir. Desejamos tanto ser mais leves, mas somos incapazes de abandonar nossos pesos. Afinal, somos o que somos pelas dores que também carregamos. E quantas vezes nos identificamos pelas feridas (que não deixamos cicatrizar)?
Gosto da metáfora das águas sejam elas vivas (como as de Clarice) ou da outra margem do rio (como a de Guimarães). O fato é que não se controla a água. Nem o que vai nela. E vai nela nossa vida, nossos sonhos, amores, dissabores, poemas, rosas, encontros, tristezas, o adeus. Vai nela e por ela, margeando-nos, tudo aquilo que carregamos porque queremos e porque não sabemos. E de repente descobrimos que é possível apenas deixar ir. Deixar ir um amor querido, um querido que morre, um que um dia foi querido e hoje faz mal, um mal que nos machucou a alma. Deixar com que as águas levem e lavem nossos dias, como o choro faz durante uma sessão de terapia. E então perceber que nosso cansaço é, talvez e também, por não nos deixar apenas ser.