De minuto em minuto o tempo passa. A vida passa. O dia de ontem já passou. O de hoje está passando e o de amanhã, também. O relógio marca o tempo. Mas não somente. O sorriso, o abraço, o modo como caminhamos e sentimos a vida, marcam da mesma forma. Assim como a fruta madura no pé, o bolo sendo assado, as luas do calendário. Ou ainda, a fotografia do Instagram, do álbum, da festa de ontem, do encontro de 20 anos atrás. A vida corre seu fluxo continuamente. Nem mesmo a morte consegue conter sua força. E talvez, possamos pensar juntos, ainda bem. A cada beijo dado, verso recitado, estrofe cantada, chamada de telefone atendida, bilhete pendurado na geladeira, cuia de chimarrão passada, a vida se encontra com a morte. Tudo pode ser a última vez. Tudo. Não paramos para pensar nisso porque é muito assustador. Podemos ler, estudar, pesquisar e até debater sobre a morte, mas nunca estamos preparados para viver esse momento. Mas de repente ela acontece. E acontece assim, no comecinho da manhã, numa chamada do hospital ou no meio da tarde, ou ainda na madrugada, não importa, o fato é que ela sempre, e essa é a única certeza que temos, acontece. Então nos damos conta de que não somos nós que a cada dia, com o passar do tempo nos aproximamos da morte. Mas sim que ela está próxima de nós o tempo todo.
A morte está sentada no sofá, no programa de televisão, na flor recebida de presente, na cadeira junto à mesa. Assim como a vida. A vida se encontra no copo de água gelado, nos chinelos de alguém querido junto à porta, no vento que farfalha as folhas, no raio de sol que inunda a cozinha, numa cartinha do filho quando era pequeno, nos olhos do gato que ronrona, na garrafa de vinho compartilhada.
Meu pai tinha o costume de todos os dias pela manhã, bem cedinho, abrir a janela que dá para os fundos da minha casa e agradecer ao universo por mais um dia vivido. Eu o observava e quando ele abria os olhos, abanava e jogava um beijo em sua direção. Agradecíamos juntos, em gestos, a beleza da vida. Fico pensando que foi por isso que ele decidiu morrer cedinho da manhã.
Circulo pela infância e passo a mão pelas tábuas da casa de criança. Ouço vozes lá dentro. Um som. É de uma viola. É uma música dedilhada pelas dez cordas. Encosto o ouvido nas paredes de madeira. É meu pai. Perdi a conta de quantas vezes cheguei da escola e encontrava ele de almoço pronto e viola nos braços. Na despedida dele não haveria de ser diferente. Enquanto a dor dilacerava os minutos, ouço um bolero e canto baixinho, siempre que te pregunto, que cuando, cómo y donde, tu siempre me respondes, quizás, quizás, quizás.