O que pensou o macaco quando desceu pelos fios elétricos do poste e atravessou a rua. A mídia chamou de cena inusitada, eu, melancólica. Fiquei com a percepção de que estamos vivendo cada vez mais um mundo não natural. Nossas paisagens têm se transformado e a cena que correu a semana de um macaco atravessando uma rua na cidade de Flores da Cunha, Serra gaúcha, é o registro da extinção e da perda.
A imagem do animal correndo em meio ao concreto me pareceu surreal, num primeiro momento, depois, numa inversão de perspectiva, surreal somos nós que invadimos o espaço e em nome do progresso, ocupamos espaços que não são nossos. É claro que a primeira lembrança que me veio à mente foi o filme Planeta dos Macacos, um clássico de 1968. Só que diferente do enredo ficcional, os selvagens e embrutecidos somos nós.
Inúmeras notícias têm trazido imagens de animais selvagens cada vez mais dentro das cidades. A presença deles altera a paisagem a qual estamos habituados. É um encontro de naturezas tão díspares. É preciso espantar-se com o fato, um macaco desceu por um poste e atravessou a rua. Não podemos ficar inertes a isso, feito abobalhados, rindo da cena sem pensar em toda a complexidade que isso significa. O macaco na cidade é o próprio antropoceno. Cadê nossa capacidade de pensar sobre? Ou estamos ficando cada vez mais alienados de tudo?
A melancolia antecede a perda e somente quando a perda acontece é que estaremos em luto. Mas tenho a impressão de que uma parte da população, dita civilizada, o que é uma contradição haja vista o alto índice de acidentes de trânsito que têm sido registrados. Aliás, o trânsito é o melhor exemplo de nosso embrutecimento.
Mas voltando ao pensamento anterior, muitos de nós não sentem melancolia diante do macaco tão longe da natureza, já que estamos tão desconectados dela e com a falsa ideia de que não sentiremos falta da Terra. Outro sinal de egoísmo e onipotência, pois como viverão as gerações futuras? E se isso não parece um argumento de reflexão plausível, para que você teve filhos? Esta é outra discussão fundamental para se fazer, num outro momento, claro.
Prefiro pensar a melancolia como sinal de alerta, pois o sentimento vem junto da ideia de responsabilidade. Quem diz isso é o filósofo Kierkegaard. Ele acredita que isso seja educador. Diante da obrigação imposta pelo caráter, seríamos impelidos a agir, saindo da inação. Por outro lado, escuto pessoas dizendo que isso é um exagero, ou politizando a discussão.
Há ainda os que acreditam, magicamente, que haverá uma luz no fim do túnel. Daí lembro de outro filósofo, Slavoj Zizek, que diz que a luz no fim do túnel pode ser o farol de um trem vindo de encontro a nós.
Portanto, em tempos tão superficiais, angustiar-se diante do macaco, da capivara, da onça e dos animais que surgem no urbano, é fundamental. Afinal, se o modo como vivemos a vida reflete o que temos dentro de nós, estamos nos tornando cada vez mais vazios, fragmentados e caminhando ao encontro do próprio fim.