As pedras guardam dentro de si o silêncio do mundo. Talvez por isso eu as colecione. Gosto de pedras. Gosto desde o tempo que nem sabia ser gente. As pedras são a prova de que podemos viajar no tempo. Há nelas a inscrição das eras. Fico imaginando o que foi que elas presenciaram em seu mutismo mineral. Tenho várias de vários cantos do mundo. Pedras que amigos me trouxeram de suas viagens, pedras que colhi pelos caminhos que atravessei, pedras que os pacientes me trazem de presente. Palavras-pedras e pedras-pedras. Há em todas histórias de instantes. Que paradoxo perfeito, penso. Pedras de milhares de anos vistas naquele único instante. No instante em que são apanhadas e deslocadas para outros lugares. Por onde ando encho os bolsos de pedras. Elas marcam o istmo que há em mim, um entre-lugares, entre espaços.
No entanto, há uma em especial. Uma que veio de aqui, de bem perto, de Santa Lúcia do Piaí, da Fonte de Água Azul. É um lugar lindo e cheio de história. Logo na entrada há uma placa informando que o padre Cristóvão de Mendoza, responsável por introduzir o gado do Rio Grande do Sul, fora morto pelos índios e seu corpo atirado nesta fonte. Desde então sua água é azul. Ali eu encontrei uma pedra pequena, oval, um pequeno seixo com um buraco bem no meio. Um buraco feito pelo tempo e pela paciência de uma gota. Enquanto caminhava, observando o chão, mania que minha mãe nunca conseguiu tirar de mim, encontrei a pedrinha. É difícil falar do encantamento, porque nenhuma palavra vai exprimir o que senti. Uma pedra esburacada, em sua permanência falta, aguda.
Talvez eu goste de pedras porque goste de pessoas. Somos todos esburacados pelo tempo, pela história de nossas vidas, por nossa infância dolorida, pelos nossos medos, ansiedades. Uma gota nos apunhala de modo imperceptível a vida toda. E doemos sem saber, afinal, dizemos a nós mesmos, temos tudo, conseguimos tudo, mas mesmo assim, há dias tão tristes.
As pedras dão presença a nossa passagem. Se João Cabral fez poesia delas, Sísifo fora castigado por meio delas. Há algo de beleza e dor em se viver. Há algo do constante suportar a que somos submetidos, mas também há o mistério e sua lindeza em não sabermos nada. As pedras nos ensinam a sermos humildes, afinal, diante delas, não somos nada. Elas estão aqui há milhares e milhares de anos, enquanto nós apenas algumas décadas. Talvez por isso goste tanto da Educação pela pedra, do poeta pernambucano.