Há dias que precisamos de silêncio. Um certo vazio. Precisamos apenas estar, sem a cobrança de ser. Um silêncio sem pensamentos, sem cor ou forma. Um silêncio que não pensa, mas respira. Talvez sombreado pelo sol que inaugura o verão nas palavras não ditas. E somente os pássaros têm o direito de quebra-lo em muitos pedaços. Precisamos de um silêncio como o que se dá debaixo da água. Um nada num todo.
Já é fevereiro. Os dias passam em procissão. O tempo é marcado por uma certa ansiedade e preocupações. Quantos acordam em plena madrugada e o relógio passa a ocupar o quarto todo? Como se o sossego existisse somente lá fora. Um silêncio lunar que rumina as horas. Enquanto cá dentro, há um redemoinho de ideias e sentimentos.
Há dias que precisamos nos despir do que (achamos) que sabemos. Esquecer de nós mesmos e assim, dos outros. Encontrar-se com o não sei. Deixar-se sentir assim em meio ao vazio da falta de certezas. As certezas são ilhas de ilusão. Sempre afundam em algum momento. Precisamos raspar a tinta das coisas que aprendemos. Nem tudo precisa fazer sentido. Há perguntas que nunca terão resposta.
Há dias que não basta abrir as janelas para ver o milagre da vida. Há tanto tempo nos acostumamos com tudo isso aí, que ficamos cegos para as outras coisas. Vemos a natureza, mas não vemos a natureza. Não vemos nem a nós mesmos. Permanecemos com as janelas fechadas por dentro. Alguns de nós descobrem que podem fazer diferente. Alguns jamais farão. Dói saber disso, me disse um paciente. Dói, respondi.
É espantoso dar-se conta da realidade das coisas. E é uma descoberta diária. Tudo é como é, talvez até mesmo nós. Na rua, os cachorros latem. O vento faz as madeiras da casa cantarem. E lembro de Fernando Pessoa, só de ouvir o vento passar, valeu a pena ter nascido.
Há dias que precisamos de silêncio para ler um texto (ou para ouvir-se dizendo). Silêncio para abrir a janela e dar-se conta de que a realidade não precisa de nós. As árvores, as flores não são menos verdes e belas porque estamos tristes ou angustiados. As estrelas não brilham menos porque temos insônia. Somos nós, por estarmos vivos, que carecemos dela. Esse é o nosso tempo.
Há pessoas que estão em guerra consigo mesmas há anos. Talvez desde que nasceram. Guerreiam até contra os vaga-lumes. Têm medo de ficar em silêncio. Às vezes, o silêncio pode ser ensurdecedor. É dentro dele que nossos demônios se agitam. Respiremos. É preciso ouvir quantas bocas se abrem quando tudo silencia em nós.
A vida segue seu fluxo, queiramos ou não. Quando conseguimos abandonar qualquer expectativa de resultado, voltamos ao ponto onde estamos. Para recomeçar tudo outra vez, mas agora por nós mesmos.