Demorei para chegar em O avesso da Pele, de Jeferson Tenório. Estava ali, naquela pilha ao lado da poltrona, uma pilha interminável de livros que é lida aos poucos num continuum eterno. Finalmente, depois de muitas e muitas páginas, cheguei neste. Logo no início da leitura lembrei de Frantz Fanon, numa passagem em seu Pele negra, máscaras brancas, “no primeiro olhar branco, ele sentiu o peso de sua melanina.
Nunca sofri racismo, não faço a mínima ideia do que seja isso, mas concordo que a cor da nossa pele sempre chega antes de qualquer coisa. Durante o tempo em que trabalhei em rádio, recebia muitas visitas de ouvintes, queridos, que vinham me trazer presentes ou simplesmente me conhecer. E eu ganhava de um tudo. De pão e queijo a cestas de uva, de maçã, mudas de flores, orações. Eram objetos e afetos acolhidos com imenso carinho e agora, saudades. Conto isso, porque meu sobrenome Antunes rendeu surpresas. A grande maioria das pessoas que vinham me visitar esperavam encontrar uma pessoa negra, por conta do sobrenome brasileiro. Inúmeras delas se espantavam ao me ver chegar, afinal como assim, é branca? Uma vez ouvi de uma pessoa que achava que eu fosse negra, que tudo bem, porque eu era tão querida, que mesmo se eu fosse negra ela continuaria gostando de mim. Até hoje me assombro quando lembro desta passagem. Logo em seguida vinham as especulações, mas então minha mãe deveria ser italiana ou alemã? Ah, que cansaço. Isso tudo para dizer que sim, a cor da pele é muito forte, mais forte que a identidade. É como se o fato de ser branco alçasse o sujeito a um patamar mais elevado. Sim, há toda uma construção social e cultural e basta estudar um pouco para se entender o processo. A questão estrutural e que nos desafia é o preconceito, tão humano e tão vil quanto qualquer ser humano.
No livro de Tenório, num determinado momento, o personagem faz amizade com alguém da alta sociedade de Porto Alegre, um branco e vai até a casa dele conforme haviam combinado. Ele toca a campainha, mas ninguém atende. Então decide esperar ali pela frente, de boas, até que alguém da segurança aparece e manda ele circular, porque ali não é lugar para pedir nada. Li essa passagem e lembrei de uma ida minha ao supermercado, dias atrás. Sai do consultório e coloquei no bolso da calça o cartão e o celular. Fiz minhas compras e quando passei pela porta, ela apitou. Voltei e o segurança me disse que eu podia ir tranquila, mesmo assim voltei, no sentido de mostrar minhas sacolas. Sim, tenho um superego terrível. E ele me olhou nos olhos e disse: a senhora pode ir, não precisa mostrar nada. É claro que na hora pensei, e se eu fosse negra?
Não vou dar spoilers sobre o livro, mas quem acompanha as notícias neste país, pode imaginar o que se passa com o personagem. Até quando nosso preconceito vai continuar açoitando o outro? É preciso lembrar sempre que o maniqueísmo nos animaliza.