Hoy me siento como um árbol
Que se supiera mujer:
Ya no quebradiza rama
Sino rotunda intuición,
Y la sólida certeza
De saber donde es que estoy.
Quando assisti A Filha Perdida, filme que está na Netflix, logo lembrei de Gioconda Belli, poeta nicaraguense, autora dos versos acima. Não é fácil ser mulher. O filme fala, e aqui já dando spoilers, de maternidade, de ser mulher, de ter desejos, da busca profissional, da solidão, da culpa e do quanto o passado habita em nós, independente dos anos.
Dirigido por Maggie Gyllenhaal, o filme é uma adaptação do livro de Elena Ferrante. O romance que tem o mesmo nome do filme, é de 2006 e conta a história de Lina, uma mãe, professora de literatura, que deixa as filhas aos cuidados paterno, em busca de realização profissional e tentativa de viver um novo amor. A fotografia é belíssima e os contrastes impressionam desde o começo. Há luz e sombra, cor e desbotamento, espaço abertos, amplos e outros pequenos e claustrofóbicos. Há pessoas, muitas, e barulho e há o silêncio atroz das escolhas um dia feitas. Há um passado que se apresenta no presente e um presente pleno de ontens. Há encontros e desencontros. Há a criança e a criança no adulto. Mas meus spoilers param por aqui. O filme merece ser visto e sentido.
Quero falar de maternidade. Não é fácil tocar neste assunto. Há algo de sagrado, culturalmente construído, em ser mãe. Sim, a maternidade é um dos mitos da função do discurso social. Eis aí a ideia de que a mulher só se torna completa quando tem filhos. É uma ramificação dessa crença. No entanto, a nossa personagem, que no filme tem o nome de Leda, representa o desconforto primordial com essa questão. É claro que ela se sente culpada por não sentir o tão propagado amor materno. Não há completude alguma em ter-se tornado mãe. Sente-se exaurida, consumida ao extremo e infeliz. Claro também que ela vai tentar manter o ideal materno, esse que dita como as mães devem ser, principalmente na primeira infância das filhas. Deixa de trabalhar, passa a ser somente dona de casa e aos poucos sente-se enlouquecendo.
Depois de assistir ao filme li críticas e comentários sobre. Um deles que repercutiu entre os grupos era de que Leda podia ser vista como uma mãe narcisista. Uma espécie de mãe má, pois abandonou as filhas e o casamento por apaixonar-se por outro homem e desejar seguir uma carreira profissional. Basta fazermos o contraponto. Quando um homem deixa as filhas para atrás em busca de viver um romance e realização no trabalho, não costumamos dizer que ele foi um pai narcisista. Talvez que ele tenha sido um pai ausente. Por aí podemos pensar sobre a diferença de como a sociedade trata a mulher-mãe e o homem-pai.
É claro que é lamentável, seja pai ou mãe, quando isso acontece. Não faço a defesa de nenhum deles. Mas talvez pudéssemos nos abrir para pensar melhor sobre maternidade e paternidade e rever nossos conceitos sobre ter ou não uma família nestes modelos atuais.