Ah, janeiro de azul e calor, de praia e mormaço, de trabalho e fim de semana, de início de ano e angústia de começar tudo outra vez. Resistimos a ti e ao teu sol sem sombra, sem chuva ou nuvem, à grama seca quase palha, aos desatinos de quem bebe todas e atrapalha o sossego da vizinhança. E abro as janelas, janeiro, e tu desabrocha em manhãs e pássaros, por trás das casas do outro lado da rua. Um desatino. E saber que até tu tem uma duração prevista. E penso: quanto tempo temos ainda? Se atravessamos o portal de 21 rumo a 22, é porque sobrevivemos. Mas muitos de nós, não. É estranho pensar que em algum momento tudo pode acabar. Assim como as horas, o dia, a vida.
E já chega fevereiro. Sol à pino. Calor outra vez, mas agora tem Iemanjá. Rainha do mar. Protege até os que não se vacinaram, dizem. Pés na areia. Cabelo solto. Pele bronzeada. Não para todos. Os como eu ficam rosa, depois descascam e se enchem de mais sardas ainda. E seguimos resistindo. Há quanto tempo já? Resistir tem sido um verbo-militante, resistência. E se trava aqui e em qualquer lugar. Sobrevoa a cidade e as águas do mar.
Quando menos se espera, chega março. Baixa a cabeça, o ano começa. São as águas de março fechando o verão, já dizia a música. O vento empurra a tarde e dessangra nossa esperança. Articulação. Esse é o verbo-feito. Articular é preciso. Pensar e poetizar. Uma poética do fim. Talvez do recomeço. E voltar a sonhar. Quanto tempo dura um sonho? E um pesadelo? O último quase quatro anos.
Então chega abril, uma hemorragia. Corre todo mundo de um lado para o outro. Ninguém mais lembra de como foi a virada, as férias, as promessas. Um mês que dura meses. E nosso desejo tinge as ruas, as calçadas, os semáforos. Um desejo que cresce não só na cabeça dos que pensam ou no coração dos que sentem, mas na consciência de quem tem uma. Marcha o mês em marcha, para frente, rumo ao segundo semestre. É arriscado desejar, mas sem desejo não se sonha. E há quanto tempo já se espera?
Depois maio, junho, julho, agosto, setembro e outubro. Quase verão. Penso em janeiro, em agonia, morrendo no chão. Ficou lá atrás. E uma esperança doida e doída toma conta dos dedos. Já já é janeiro outra vez. Mas antes, tem o mês dez. Suas manhãs ensolaradas ou debaixo da água. E a vida explode pelas cidades, bairros, vielas. Explode no centro e na favela. Aqui no sul e no norte. Explode no país todo. Mas não há nenhuma guerra.
E Deus queira, ainda antes da noite chegar, que recitemos um poema, porque viver vale a pena mesmo que a gente viva sob tutela dentro de um sistema. Quando se tem consciência, a noite é rasgada por relâmpagos. Fachos de luz iluminam e as estrelas voltam a brilhar, outra vez.