Não é preciso pedir licença para amar. Ama-se a quem se ama do jeito que se é. Ama-se pela identificação ou pelos contrários. Não carecemos de ter de explicar porque se ama esse, essa e não o outro, a outra. Amamos numa linguagem linguajeira do amor, um alfabeto que sai assim, feito dia novo, cheio de recomeços. Não amamos do nada. Tudo já estava ali. O cheiro, a palavra, o abraço. Havia também as estrelas, o chão, os pássaros. Não peça licença para conjugar teu amor. Volta e meia aparece algum mal-amado que critica a coragem de quem, mesmo com medo de doer, ama. E amar dói. Dói o medo da perda. Dói os dias confusos. Dói quando não sabemos por quais escuros anda quem amamos. E amamos na ausência. Amamos na solidão de nós mesmos. No nosso desejo de ser e estar e até na frustração. Porque o amor vem de não se sabe onde, mas quando chega pinta as paredes, abre as janelas, rega as plantas, traz aconchego. E quando dizemos eu te amo, pronunciamos todos os fonemas. Boca e alma abertas. Uma magia igual a constelação do miolo dos girassóis. Amamos em círculos. Um dia, desabrocha o sonho, estala como a flor que se abre, então nascemos pela segunda vez.
Não peça licença para renascer. Renascemos todos os dias, pouco a pouco. Renascemos depois de toda morte, fim de ciclo, de uma noite de sono. Renascemos como o jasmineiro. Secamos até a raiz. Adormecemos por um tempo, negamos a perda, a dor, depois, rebrotamos. As emoções nos perturbam. Amar é um caminho arriscado. Não traz respostas, mas nos ensina a viver com o mistério. O outro é um eterno mistério. Nunca saberemos realmente quem é aquele que tanto amamos. E mesmo assim, amamos. Amamos porque amar é um ato de liberdade. Quando amamos damos ao outro nossa mais profunda solidão, nossos medos infantis. Damos da essência do que fomos feitos. E recebemos o mesmo. Mas amar é conviver com as feridas, que talvez nunca curem, de quem amamos. Dores que nunca conseguiremos apaziguar. No entanto, suportamos a travessia, na espera amorosa de quem sabe que tudo passa. Mesmo que volte outra vez, haverá de passar de novo.
Às vezes, por medo de viver, nos recobrimos com uma película de morte para suportar a vida, dizia Clarice Lispector. Sofremos e nos apegamos ao sofrimento. Ele parece tão real. Às vezes vivemos amores mortais. Isso é doença. Não é fácil dar-se conta que diante de tanto sonho e desejo, beijamos a nossa própria morte. Amamos ao mesmo tempo que atiramos pedras e as recebemos de volta. É preciso coragem para dizer adeus, fazer as malas e ir embora. É preciso coragem para viver outra vez.
Leva tempo para cicatrizar. Então não peça licença para amar de novo. Ame sem vergonha, sem pudor, sem julgamento. Amar é recomeçar e poucas coisas na vida são tão boas quanto retomar a caminhada ao lado de quem também já sofreu e agora apenas deseja não pedir licença para viver.