Márcia Andreia de Almeida, moradora de Seberi, no norte do Estado, ainda não deu à luz às filhas gêmeas que espera — a previsão, segundo a família, é de que o parto ocorra nesta quarta-feira (22).
— O médico nos comunicou que duas crianças vão dar alta ainda hoje, antes do meio-dia. Com esses dois leitos desocupados, vai ser possível fazer a cesárea da minha esposa — afirma o pai das gêmeas, Rafael Mazzonetto.
Nesta quarta-feira (22), a UTI Neonatal do Hospital de Clínicas ainda estava superlotada, com 14 bebês para 10 vagas. Procurado, o Hospital de Clínicas informou em nota que está prestando toda a assistência necessária para a paciente e a família durante seu período de internação e que as condutas são tomadas a partir da avaliação periódica das condições clínicas da paciente, que é acompanhada pela equipe médica e multiprofissional.
A paciente, que está com 34 semanas de gestação, está internada no Hospital de Clínicas de Passo Fundo há uma semana, para onde foi transferida na terça-feira (14).
O drama de Márcia começou há 12 dias, na sexta-feira (10), quando deu entrada na Fundação Hospitalar Pio XII, em Seberi. Lá ela foi informada que deveria ser transferida para uma casa hospitalar com suporte de UTI neonatal, já que a gravidez era de risco. Foi preciso entrar na justiça e, somente depois de 24h, ela foi transferida para Chapecó, em Santa Catarina. Como a instituição é particular, os custos ficariam a cargo do Estado. O valor para a internação da gestante e dos recém-nascidos pelo período de 30 dias foi estimado em R$ 1,2 milhão. Três dias depois, após nova determinação judicial, houve nova transferência, dessa vez para Passo Fundo.
Transferência
Quando a gestante deu entrada no Hospital de Clínicas de Passo Fundo, a família foi informada de que as vagas eram de emergência, denominadas “vaga zero” — quando a instituição é obrigada a garantir o atendimento nas urgências, mesmo nas situações em que inexistem leitos vagos para a internação de pacientes. O pai das gêmeas tenta entender o porquê da transferência:
— Eu tento entender tudo que está acontecendo, mas não encontro respostas. Depois de muita luta, fomos para um lugar com recursos, que tinha leitos disponíveis, para sermos tirados de lá, e colocados em um local que está com superlotação — desabafa Rafael.
A Associação UTI Neonatal e Pediátrica do Rio Grande do Sul (AUNP-RS), que fica em Frederico Westphalen, acompanha o caso desde o início e presta auxílio à família. O presidente, Clayton Braga Corrêa, recebeu com revolta a notícia da transferência de Márcia de Santa Catarina, onde tinha leitos de UTI Neonatal disponíveis, para Passo Fundo:
— Fizemos quatro petições com ordens judiciais para que Márcia conseguisse vaga em um hospital com UTI neonatal disponível. Mas para o Estado parece que importa mais o dinheiro do que a vida. Em razão dos valores que seriam cobrados acerca da internação, em 20 minutos o Estado deu um jeito de remover a família da instituição. Realocando-os em um lugar que não oferece as condições necessárias que o quadro da gestante necessita — afirma Corrêa.
Questionado sobre o caso da paciente, o diretor do departamento que regula os leitos de UTI no Estado, Eduardo Elsade, disse que houve uma precipitação na transferência da paciente:
— o Hospital de Santa Catarina nos relatou que não tinha condições de fazer os atendimentos, a gente trouxe essa paciente de volta para Passo Fundo, para um leito de enfermaria, porque a paciente não ganhou as crianças, não está em trabalho de parto e o médico de Passo Fundo diz que não tem indicação de interromper a gestação agora e portanto não tem a necessidade de leito de UTI. Ou seja, toda essa movimentação, custo, risco, para as gestante, para as crianças, por uma hipotética situação que não se confirmou — afirma Elsade.
Problema estadual
A falta de vagas em UTI neonatal se repete em todo o Estado. Segundo a SES, a ocupação nesta terça-feira (21) era de 110%. São 339 leitos ocupados e 32 pacientes estão em UTIS extras ou intermediárias.
— Neste momento estamos com picos de ocupação mais duradouro que nas outras vezes, por causas diversas que ainda estamos avaliando. Possivelmente uma dessas causas seja o pós-pandemia, que temos mais gestantes com sinais de pre-eclâmpsia que a gente tinha em anos pré-pandemia. Hoje os hospitais têm os leitos de emergência, salas vermelhas, pacientes que conseguem ser manejados até que se destinem, tanto em hospital privado, público, uma lógica que funciona assim no mundo inteiro — afirma o diretor de regulação de leitos de UTI no Estado.
O Hospital São Vicente de Paulo, também em Passo Fundo, que também é referência para a região Norte do Estado, enfrenta o mesmo problema de falta de leitos de UTI Neonatal. Conforme a direção do HSVP, a instituição está com 20 dos leitos ocupados nesta quarta-feira (22).