A construção da Cadeia Pública Feminina de Passo Fundo, em um terreno localizado às margens da BR-285, entre Passo Fundo e Carazinho, no norte do Estado, está paralisada há 13 anos e longe de ser retomada.
A obra se iniciou em 2010, com investimento inicial de R$ 2 milhões, a partir de recursos dos governos federal e estadual, mas não teve continuidade. Em 2012, um convênio firmado entre União e Estado previu a retomada dos trabalhos —, mas o prazo expirou em 2022, 10 anos após a assinatura, sem que a construção tivesse andamento.
Em dezembro de 2021, um contrato para o início de execução da obra de construção e implantação da Cadeia Feminina chegou a ser assinado com a empresa vencedora da licitação pública, em um investimento de R$ 18 milhões. A previsão era de que as obras fossem retomadas em janeiro de 2022, o que não aconteceu.
A demanda por uma nova penitenciária em Passo Fundo surgiu há quase 20 anos, em 2004, após o Presídio Regional de Passo Fundo (PRPF) ter sido interditado por superlotação, em ação do Ministério Público Estadual (MP-RS). No projeto da nova casa prisional, a capacidade seria para 286 vagas.
Revalidação do projeto
Alguns pontos travam o andamento da obra. O terreno, doado pelo município ao Estado, em 2005, está sobre uma área de sítio arqueológico, de acordo com parecer do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 2016, entregue à Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo do Estado.
O IPHAN exige a revalidação do projeto de acompanhamento da obra por um arqueólogo. Com aprovação do Instituto, a obra poderia ser retomada naquela área, aponta o Estado. Em nota oficial, a Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo do Estado relata que "realizou a contratação de um arqueólogo para fazer a revalidação do projeto de acompanhamento arqueológico e posteriormente acompanhar a obra".
Outro argumento utilizado pelo Estado é de que o atraso na continuidade da obra se deve também pelo desequilíbrio econômico, visto que a licitação aconteceu antes da pandemia e os insumos tiveram alta nos valores.
"Outro ponto que está sendo discutido refere-se ao fato de a licitação ter acontecido antes da pandemia, afetando o cronograma da obra, uma vez que os insumos materiais tiveram alta atípica, desequilibrando o contrato firmado com o governo do estado", diz o Estado na nota oficial.
Complexidade da documentação
Na mesma nota oficial, o governo estadual declarou que a Cadeia Pública Feminina de Passo Fundo está em "fase de discussão e planejamento, que se dão em função da complexidade documental por se tratar de uma área localizada em um sítio arqueológico".
Além disso, o documento também diz que "esta fase prevê alocação de recursos financeiros junto ao tesouro do Estado, considerando que o convênio entre a União e o Estado, firmado em 2012, foi encerrado em 2022".
Em paralelo às questões arqueológicas e de alocação de recursos financeiros, a área também precisa de uma atualização de licença ambiental da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), que expirou em agosto de 2022. O pedido de renovação da licença foi solicitado, mas ainda não houve retorno.
Durante os últimos anos, a área também foi alvo de polêmica com o município de Carazinho, que acenou com a possibilidade de alterar o local da construção do presídio com novas alternativas.
MP aponta omissão do Estado
O MP-RS acompanha o caso do Presídio Regional de Passo Fundo (PRPF) e da construção da nova casa penitenciária há cerca de 20 anos. Além de ter conseguido interdição em 2004, o órgão também teve uma ação pública julgada procedente, em 2007, com o pedido de construção do novo presídio em um prazo de um ano e seis meses, já que o Estado possuía verba e terreno à disposição.
Nesta semana, no parecer positivo enviado à Defensoria Pública no pedido de interdição parcial da casa prisional do município, divulgado por GZH, o MP-RS aponta descaso e omissão do Estado no que tange ao sistema carcerário de Passo Fundo.
"O que se tem visto é a omissão total do Estado, não só quanto a superlotação. Para surpresa de todos, até o presente momento, o novo Presídio de Passo Fundo ainda não saiu do projeto. Salienta-se que esse trâmite todo se arrasta desde o ano de 2005, ou seja, há mais de 18 anos, tendo passado por vários governos", diz o documento encaminhado à Vara de Execução Criminal Regional de Passo Fundo.
Em outro trecho, o MP-RS declara que o quadro se agravou em quase duas décadas. "Passados quase 20 anos da primeira interdição proposta pelo MP, a situação somente se agravou, sem que houvesse efetiva atuação do Estado do Rio Grande do Sul para resolver os problemas", descreve.
Segundo o promotor de justiça Alvaro Poglia, os casos do PRPF e da Cadeia Feminina são distintos, visto que a reforma do presídio é uma necessidade de décadas, foi apontada em reunião, em março de 2019, com o então vice-governador Ranolfo Vieira Jr., em Passo Fundo.
— São pautas que conversam mas são distintas. Faz quatro anos que tivemos uma reunião com o Ranolfo e até hoje não saiu a licitação para reforma do presídio. Já a construção da Cadeia Feminina teve diversos trâmites burocráticos e até hoje não saiu — declara o promotor de justiça.
O MP-RS também demonstra preocupação com o fato de a área da Cadeia Feminina estar situada sobre um sítio arqueológico. Segundo Poglia, essa questão precisa ser averiguada, não apenas no terreno onde seria construído a nova cadeia.
— Foram feitas a análise, as licenças ambientais, e ninguém viu. Nós vamos encaminhar para a Promotoria Ambiental um parecer, porque se tem um sítio arqueológico na área, não se restringe apenas ao presídio, mas também às lavouras de soja que estão em volta. É necessário saber o tamanho, a extensão do sítio e averiguar essa situação. A área tem que ser resguardada — completa Poglia.
Em fevereiro, o MP participou de uma audiência com outros órgãos de execução da pena, Vara de Execuções Criminais (VEC), Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), entre outros, para abordar os temas de interesse da segurança pública e do sistema prisional da região, sobretudo com a superlotação e a possibilidade de reforma do PRPF e continuidade da Cadeia Feminina. O encaminhamento foi no sentido de o judiciário apresentar uma solução para os casos em até 90 dias.
Superlotação no Presídio Regional
Atualmente, o sistema carcerário de Passo Fundo conta com cerca de 30 mulheres presas, segundo dados do Conselho da Comunidade Sistema Penitenciário do PRPF.
Em toda a região da 4ª Delegacia Penitenciária Regional, que abriga 13 presídios, o número chega a 150 detentas. O número é considerado baixo para o Conselho.
— Há uma necessidade latente de construir um novo presídio masculino. Precisamos desafogar o atual presídio, que está acima do teto, com mais presos do que o dobro da capacidade. O número de mulheres presas na região é baixo, visto que este presídio novo teria quase 400 vagas para elas. Não teríamos nem a metade da ocupação — afirma o presidente do Conselho, Vinicius Toazza.
A necessidade de uma construção de presídio masculino se explica pelos números: são 660 presos em março de 2023, segundo dados da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, enquanto a capacidade máxima da casa prisional é de 307 apenados.
O pedido de interdição parcial busca estabelecer um teto de entrada de apenados em até 200% da capacidade, ou seja, até 614 presos.
Discussão sobre o espaço para mulheres
Um caminho para oferecer acondicionamento mais digno para o cumprimento da sentença para as mulheres é realocá-las em algumas das celas do regime semiaberto do Instituto Penal de Passo Fundo, de acordo com o presidente do Conselho. Segundo Toazza, a alternativa, além de possuir uma acomodação melhor, otimiza espaços e reduz custos à máquina pública.
— Essas celas são em área separada, com uma estrutura com salas de profissionalização e trabalho, cozinha independente, sala de aula. Se aumentar o aspecto de segurança, nós teríamos uma otimização de espaços e custos, para ter uma maior possibilidade de ressocialização, como prevê a lei de execução penal — pontua.
O promotor de justiça do MP-RS, Alvaro Poglia, por sua vez, acredita que a melhor alternativa seja separar homens das mulheres, o que seria possível com a criação da nova casa prisional.
— Não podemos misturar homens com mulheres no presídio. Colocar elas no Instituto Penal é um cobertor curto, porque também vai encher neste espaço e dar problema. Conseguimos algumas regularizações lá (Instituto Penal) e ainda tem problemas, já está melhor. Mas colocar mulheres do regime fechado num semiaberto não soluciona nada — rebate Poglia.
O que diz a Susepe
Durante a produção desta reportagem, GZH tentou diversos contatos com a superintendência da Susepe, mas não obteve retorno oficial até a publicação.