Marlene Fátima Correa, 66 anos, moradora do interior de Carazinho, no norte do RS, está desde janeiro sem receber a aposentadoria. O motivo: para o sistema do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), ela consta como morta. A certidão de óbito foi registrada em 21 de dezembro de 2023 na cidade de Nova Mutum, no Mato Grosso, a mais de 2 mil quilômetros de distância do município gaúcho.
— Fui ao INSS para ver o que estava acontecendo e a atendente me disse que aparecia um óbito no meu nome. Para eles eu tinha falecido. Desde janeiro que estou sem receber minha aposentadoria — relata.
O caso foi parar na Justiça depois que Marlene recorreu à agência do INSS em Carazinho e não teve o benefício restaurado. De acordo com a advogada que representa a aposentada, Luana Santos, a pessoa que morreu no estado mato-grossense tem exatamente os mesmos dados que a aposentada. O registro de óbito leva seus dados idênticos — nome, filiação, data de nascimento e até o mesmo CPF.
Apesar de provar que Marlene não morreu, a reativação do benefício não aconteceu pelo fato do sistema do INSS estar atrelado à conta gov.br, que apresenta a aposentada como morta.
— O INSS consegue fazer a reativação administrativa quando é caso de homônimos (nome igual), ou seja, quando há dados semelhantes, o que pode acontecer. Só que no caso dela é um pouco além disso: não é um caso de homônimo e não há coincidência de dados, a documentação é idêntica — esclareceu a advogada.
A equipe jurídica solicitou ao cartório de registro civil de Nova Mutum a documentação apresentada para registrar a certidão de óbito e, com surpresa, recebeu um documento idêntico ao de dona Marlene. O filho da pessoa que morreu no Mato Grosso, inclusive, tem a mãe com o mesmo nome de dona Marlene, incluindo a mesma matrícula da certidão de nascimento e data de emissão da aposentada, o que comprova que se trata do mesmo documento.
Em resposta, a advogada ajuizou um processo contra o registro civil de Nova Mutum solicitando a exclusão da certidão. Contudo, o pedido de liminar foi indeferido. Além disso, a representante legal entrou com um processo contra o INSS, ainda sem retorno. O caso tramita na 2ª Vara Federal de Carazinho.
— Em Carazinho, os servidores do INSS se mostraram prestativos nessa questão. Inclusive, o diretor da agência fez uma espécie de entrevista, onde apresentamos dona Marlene pessoalmente e ele foi ao Cras pegar o relatório que é feito quando a pessoa se apresenta mensalmente. Então é realmente uma questão do sistema, que não está permitindo reativar o benefício porque, para o sistema, ela morreu, e a alteração não pode ser feita manualmente sem autorização judicial — completou a advogada.
INSS não se manifestou até o momento
GZH Passo Fundo procurou o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) através da assessoria de imprensa, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto. O cartório de Nova Mutum também foi procurado, mas não respondeu ao pedido de comentário.
Enquanto isso, Marlene mora de favor em um sítio no interior do município e conta com a ajuda do Centro de Referência de Assistência Social o (Cras) com cestas básicas para sobreviver.
— O salário está fazendo falta. Eu preciso comprar alimentos, medicamentos, pois meu marido é doente. Agora contamos com a ajuda do Cras com alimento e o Seu Luís (dono do sítio) que nos ajuda também dando um lugar para a gente morar — completou.
Não é a primeira vez
O caso de Marlene não é único. O morador de Nicolau Vergueiro, Antônio Carlos Ferreira dos Santos, 60, ficou quase um ano sem receber a aposentadoria depois de ter o benefício cortado, em maio de 2023. O motivo: assim como Marlene, o nome dele também constava em óbito. Depois de identificar o problema, ele voltou a receber o benefício em março.
O problema afetou até mesmo a atriz Fernanda Montenegro, que luta na Justiça para receber a sua aposentadoria e a pensão por morte do seu marido, não pagos pelo INSS de 2019 a 2022. Durante a pandemia de covid-19, a atriz de 94 anos tentou realizar a prova de vida cobrada pelo instituto, mas enfrentou dificuldades. Por conta disso, teve os direitos "cessados", o que significa que o INSS passou a considerar que Fernanda havia morrido.
Ela precisou processar o órgão para provar que estava viva. Em 2023, a Justiça deu ganho de causa à artista e obrigou o instituto a depositar os valores retroativos, que, atualmente, estão calculados em mais de R$ 334 mil.