Mesmo quem celebrou de forma justificada a aprovação da reforma tributária pela Câmara, acontecimento histórico após décadas de tentativas frustradas, admite que o texto está longe do estado da arte. Não se põem em dúvida os benefícios, especialmente quanto à simplificação, ao fim da cumulatividade e ao horizonte aberto em termos de possibilidades de alavancar o potencial de crescimento da economia. Mas, nas negociações finais para assegurar votos, aumentou-se o número de atividades agraciadas com exceções e alíquotas reduzidas. A matéria vai agora para o Senado. A responsabilidade da Casa é grande para evitar um desvirtuamento maior.
A ampliação de vantagens setoriais faz com que a alíquota padrão do futuro IVA tenha de ser maior do que a inicialmente estimada
A ampliação de vantagens setoriais cria um problema. Faz com que a alíquota padrão do futuro Imposto sobre Valor Agregado (IVA), a ser fixada por meio de lei complementar, tenha de ser maior do que a inicialmente estimada. Funciona como os cálculos das tarifas de transporte público, para ficar em um exemplo bastante debatido nos últimos anos. Quanto mais elevado for o nível de isenções e benefícios, maior é o preço da passagem inteira cobrado da maioria dos usuários.
Considerado um dos pais da reformulação do sistema de impostos, o secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, admite que, dada a abrangência das bondades, a alíquota padrão será superior a 25%, patamar que, de certa forma, era o percentual idealizado. Entre os membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que adotam o IVA, a maior carga é a da Hungria, de 27%.
Além da ampliação da quantidade de segmentos que conseguiram tratamento especial, o desconto em relação à alíquota padrão era para ser de 50% e acabou ficando em 60%. Deputados aceitaram uma série de benesses questionáveis, como a ampliação das isenções conferidas a igrejas. É discutível ainda a conveniência de incluir atividades desportivas entre as favorecidas pela alíquota menor. Da mesma forma, não se encontra explicação razoável para parques de diversão e temáticos terem direito a um regime específico.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deve se encontrar hoje com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, para tratar da tramitação da reforma na Casa. Deverá ter um caminho mais longo em comparação à Câmara. O texto passará ao menos pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). É positivo ter tempo para uma análise detalhada, mas prazos mais dilatados também abrem espaço para lobistas agirem. É natural que setores ou regiões busquem manter suas vantagens ou também conquistar benevolências.
Cabe aos senadores um exame minucioso que, ao fim, não onere ainda mais a coletividade. Em um precedente recente, o Senado afrouxou o texto da nova regra fiscal aprovado na Câmara. Caso não seja politicamente possível rever favores e eliminar algumas distorções, que ao menos se evitem mais regalias a outros bens e serviços. Se forem ampliados favores localizados, é a sociedade que vai arcar com a conta para reequilibrar a arrecadação. Espera-se compromisso com o país para a reforma tributária ser o prometido marco que fará a diferença para o Brasil crescer mais.