A definição mais simples sobre o feminicídio é a de que é o assassinato de uma mulher cometido pelo simples fato de a vítima ser uma mulher. Trata-se, assim, de um crime com uma natureza diferente da maior parte dos demais delitos, como os que envolvem quadrilhas e facções, e outros tipos de homicídios. Em grande parte das vezes, é perpetrado pelos companheiros ou alguém com quem ela teve vínculo afetivo e não admite o fim do relacionamento amoroso. Normalmente, é o desfecho de uma escalada de violência e o resultado da concepção torpe de que a mulher tem de se submeter ao jugo masculino.
Importante iniciativa para qualificar as medidas protetivas é a que prevê agressores monitorados por tornozeleiras eletrônicas
Tamanha complexidade faz com que estudiosos do tema e autoridades judiciárias e policiais ainda busquem entender melhor as razões do feminicídio, os motivos que levam mulheres a muitas vezes não denunciarem a violência doméstica e as falhas no sistema de proteção, mesmo quando há pedido ajuda. Uma compreensão mais completa é essencial para planejar e implementar estratégias para mitigar esse drama que passou a chamar mais atenção principalmente após a pandemia. Notam-se, nos últimos anos, esforços crescentes do poder público para encontrar respostas efetivas aos assassinatos por motivo de gênero. Mas é preciso admitir que ainda se está distante de uma solução.
Uma importante contribuição para aprofundar a análise do tema é apresentada pela reportagem “Histórias de desamparo”, publicada no caderno DOC desta superedição de Zero Hora e assinada pela jornalista Leticia Mendes, profissional que se dedica a acompanhar de perto o assunto. A partir de informações sobre casos de vítimas e questionários, mostra as omissões e lacunas ainda existentes no sistema montado ao longo dos anos para frear a morte violenta de mulheres no Estado. Revela, ademais, que ter uma medida protetiva contra os agressores, essencial para diminuir os riscos de algo mais grave acontecer, nem sempre é garantia de estar livre de um desenlace fatal.
A reportagem aponta que um quinto das vítimas de feminicídio no Estado no ano passado tinha medida protetiva contra o agressor assegurada pelo Judiciário. Mesmo assim, deve ser reiterado, é um instrumento capaz de reduzir em muito as chances de um fim trágico. Afinal, como mostram as estatísticas de 2022, a quantidade de mulheres mortas sem medida protetiva foi quatro vezes maior. A aplicação dessas salvaguardas legais para inibir a aproximação do agressor cresceu 33,5% no ano passado na comparação com 2021. É indispensável ressaltar que, em metade dos feminicídios, sequer existia registro oficial anterior de violência doméstica, um sinal de dificuldade das vítimas em romper o silêncio e denunciar a violência doméstica. Deve-se compreender melhor os obstáculos para as mulheres sob ameaça levarem às autoridades seus casos.
No Estado, o poder público tem lançado mão de uma série de estratégias combinadas para combater os feminicídios, como a ampliação das patrulhas Maria da Penha, atendimento psicológico, acompanhamento social das famílias, abrigamento e a chamada Sala das Margaridas, espaços nas delegacias de polícia destinados ao acolhimento de vítimas. Mas é uma rede que precisa ser ampliada. Uma importante iniciativa para qualificar as medidas protetivas é a que prevê a possibilidade de os agressores serem monitorados por tornozeleiras eletrônicas. O mecanismo permite que a vítima acione um alarme por meio de um aparelho celular para avisar de uma aproximação. O sinal é recebido por policiais, que podem fazer uma intervenção rápida.
Um enfrentamento eficaz ao feminicídio, portanto, passa por encontrar formas de incentivar e facilitar denúncias, pelo aumento e aperfeiçoamento da rede de proteção, por punição exemplar e mais medidas protetivas concedidas, auxiliadas pela tecnologia. Mas é preciso também ir à raiz do problema e, com a ajuda da educação, nas famílias e nas escolas, impregnar uma cultura de igualdade de gênero que ponha um freio no machismo e na misoginia.