Após amplas discussões com as partes interessadas ao longo dos últimos meses, a Assembleia Legislativa aprovou na terça-feira, por 36 a 16, o projeto de reestruturação do IPE Saúde. Trata-se de um tema de grande relevância por dizer respeito à qualidade do atendimento de cerca de 1 milhão de gaúchos, por elevar a contribuição dos titulares e ter repercussão nas próprias contas do Estado.
A obrigação do governo é garantir um atendimento digno aos usuários do IPE Saúde e evitar o risco de o desequilíbrio voltar
A grande responsabilidade, agora, é do Palácio Piratini, autor da proposta. O governo gaúcho deve ser cobrado para entregar as melhorias prometidas em um serviço de primeira necessidade para os usuários – e ao mesmo tempo remunerar de forma mais adequada médicos e prestadores de serviços, o que também se traduz em qualificação do benefício.
São conhecidos os problemas do IPE Saúde. O endividamento estimado dois meses atrás em R$ 250 milhões e o déficit mensal de R$ 36 milhões tornam a manutenção da situação corrente impensável, o que pioraria o quadro atual de serviços cada vez mais precários e de pedidos de descredenciamento de profissionais. Usuários reclamam da dificuldade para agendar exames e consultas e médicos se queixam de baixos valores pagos por atendimentos e procedimentos. Se a insatisfação é geral e o sistema parece rumar para o colapso, obviamente uma medida mais dura e impopular precisaria ser tomada para retomar as chances de o IPE Saúde alcançar a sustentabilidade financeira.
O remédio, sem dúvida, é amargo, pelo aumento das contribuições, especialmente devido ao longo período do funcionalismo sem reajuste salarial. Mas é preciso ter consciência de que era imprescindível alinhar as mensalidades ao que é observado no mercado e corrigir distorções, como começar a cobrar valores por dependente, regra nos demais planos. Deve-se lembrar ainda que foi significativa a inflação da área de saúde nos últimos anos, com elevação dos custos de insumos, medicamentos, materiais e equipamentos. Não há solução fácil para um problema complexo, como a alternativa aventada de a saída passar por um reajuste ao funcionalismo. Era incontornável buscar opções com realismo e responsabilidade.
Eleitos pela população, os deputados estaduais tomaram a sua decisão soberana, depois de ao menos dois meses de discussões e ajustes na proposta. Compreende-se o descontentamento dos titulares dos planos. Protestar e se manifestar são direitos legítimos e uma garantia constitucional. Não são democraticamente aceitáveis, no entanto, atitudes observadas na terça-feira, como tentar evitar que os deputados chegassem à Assembleia para cumprir o seu papel. Felizmente, o impasse foi solucionado sem episódios mais graves.
Pelas contas do Piratini, a remodelação do IPE Saúde vai gerar uma arrecadação extra de R$ 720 milhões, destinada a cobrir o déficit e pagar dívidas. Enfrentar a crise crônica da instituição foi um dos principais compromissos do governador Eduardo Leite em sua campanha pela reeleição. Foi um tema que a sua primeira gestão falhou em resolver. A vitória do Piratini na Assembleia foi consistente, mas o mais importante vem agora. A obrigação do governo é garantir um atendimento digno aos usuários e implementar uma gestão competente, que evite o risco de o desequilíbrio financeiro voltar nos próximos anos.