A censura prévia, vetada expressamente pela Constituição, sempre causa prejuízos aos cidadãos. É o que mais uma vez ficou comprovado com as restrições impostas pelo Judiciário de primeiro e segundo graus à divulgação de uma denúncia de pagamento de propina ao prefeito de Bagé por parte de uma organização social que prestava serviços à prefeitura. Durante cinco meses, os munícipes da cidade fronteiriça e o público em geral ficaram sem conhecer os detalhes da investigação feita pelo Ministério Público com base na delação premiada de um dos sócios da empresa que administrava postos de saúde e ambulâncias na cidade.
Ao derrubar a mordaça imposta pela juíza da 18ª Vara Cível da Comarca de Porto Alegre e chancelada por um desembargador da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que impedia a RBS TV de revelar os dados da investigação sobre o prefeito Divaldo Lara (PTB), o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, deixou claro que “somente uma imprensa livre e sem restrições pode efetivamente expor os atos equivocados dos membros do Estado”. Mais: o magistrado da Suprema Corte lembrou que o sigilo é obrigação da autoridade, não do jornalista, argumentando que o fato de um repórter obter informações sigilosas “tampouco legitima a interferência prévia do Poder Judiciário para abster a publicação da matéria, sob pena de afronta à liberdade de expressão”.
Quando falta transparência na administração pública, cabe aos órgãos fiscalizadores e à imprensa mostrarem a verdade
O inciso 9º do artigo 5º da Constituição Federal não deixa qualquer dúvida sobre isso: “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Há pouca margem para outras interpretações. Ainda assim, ministros do Supremo têm sido reiteradamente solicitados a reafirmar uma jurisprudência consolidada e garantidora da plena liberdade de expressão.
A liberdade de imprensa, ao contrário do que algumas pessoas imaginam, não é um privilégio de veículos de comunicação e jornalistas. É, isto sim, um direito dos cidadãos de serem livremente informados, principalmente sobre ações de seus governantes e representantes políticos. Quando falta transparência na administração pública, como parece ter ocorrido nesse caso de Bagé, cabe aos órgãos fiscalizadores e à imprensa mostrar a verdade, até mesmo para que os cidadãos possam se posicionar e cobrar lisura de suas lideranças. Por ironia, no episódio referido, uma das bandeiras utilizadas pelo prefeito em sua campanha eleitoral foi o combate à corrupção, simbolizado pela figura de um relho. É sempre melhor combater a corrupção com a balança da Justiça.
Não cabe à imprensa fazer julgamentos, mas é seu dever levar ao público todas as informações e versões de fatos pertinentes aos interesses da sociedade, até mesmo para que cada cidadão possa, livremente, tirar suas próprias conclusões. Em uma democracia, ninguém tem o direito de tutelar o cidadão, decidindo por ele se deve ou não conhecer os atos de seus representantes no poder. Censura prévia sempre foi – e continua sendo – um instrumento de regimes autoritários, opção inequivocamente rejeitada pela maioria dos brasileiros.