O presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou um atestado internacional de incoerência e de rendição ao patrulhamento ideológico da esquerda mais radical ao autorizar a presença da embaixadora Gilvânia de Oliveira na posse ilegítima do presidente Nicolás Maduro para o terceiro mandato consecutivo na Venezuela. Respaldado apenas por regimes autocráticos, o ditador venezuelano se impôs pela força e pela repressão aos opositores, depois de ter fraudado o resultado eleitoral de um pleito em que foi derrotado. Além dos Estados Unidos e das democracias da União Europeia, a maioria dos países sul-americanos optou por não reconhecer o novo governo de Maduro, mas o Brasil, depois de simular uma ruptura por não ter sido atendido na exigência dos boletins de votação, acabou legitimando o arbítrio – e fez isso no dia seguinte ao ato em defesa da democracia patrocinado pelo governo em Brasília.
Os desmandos de Nicolás Maduro já infelicitam a Venezuela por duas décadas. Respaldado por seu aparelho repressor e apoiado estrategicamente pela Rússia e pela China como parte da guerra fria com o Ocidente, o déspota venezuelano se encastelou no poder e tenta dar continuidade ao regime chavista – um anacronismo incompatível com os tempos atuais. Depois de 12 anos no comando do país, período de crises econômicas e perseguições políticas que provocaram o êxodo de mais de 7 milhões de venezuelanos – segundo estimativas do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) -, o tirano assume seu terceiro mandato com a inexplicável chancela da diplomacia brasileira.
Trata-se de apoiar ou rejeitar uma ditadura, de reconhecer ou não um governo ilegítimo, de ficar ao lado de um ditador implacável ou da maioria do povo venezuelano
No momento em que o Brasil celebra a solidez de sua própria democracia, que também passou recentemente pelo sobressalto de um plano golpista fracassado, é muito frustrante ver uma diplomata brasileira na fila do beija-mão do vizinho ditador. Não é apenas uma questão de falta de transparência: Maduro vem intensificando a repressão aos seus opositores políticos. Mantém a ameaça de prisão sobre o rival Edmundo Gonzáles Urrutia – reconhecido por observadores internacionais como o verdadeiro vencedor da eleição presidencial – se ele pisar em solo venezuelano. Numa atitude farsesca, chegou mesmo a oferecer uma recompensa de US$ 100 mil para quem oferecesse informações sobre o paradeiro do opositor, quando era de conhecimento geral que ele circulava livremente por vários países em busca de apoio político.
Ainda que seja da tradição diplomática brasileira a neutralidade em relação à política interna de outros países, o caso específico da Venezuela assume outra dimensão: trata-se de apoiar ou rejeitar uma ditadura, de reconhecer ou não um governo ilegítimo, de ficar ao lado de um ditador implacável ou da maioria do povo venezuelano. Não pode haver meio termo. Uma democracia verdadeira não transige com o autoritarismo, nem internamente nem externamente. Fingir rejeição e mandar apoio oficial é um jogo duplo que ofende a inteligência dos brasileiros e compromete a pretensão do país de assumir uma liderança geopolítica no continente sul-americano.