O final do julgamento do caso Kiss representa a justiça possível, quase nove anos depois do incêndio que matou 242 pessoas em Santa Maria. A decisão que condenou por homicídio com dolo eventual Elissandro Spohr, Mauro Hoffmann, Marcelo dos Santos e Luciano Bonilha Leão vai muito além das penas determinadas pelo juiz Orlando Faccini Neto, após a posição dos jurados definida pelo Conselho de Sentença.
Punições devem servir de exemplo para uma sociedade democrática, que por meio de suas instituições não pode tolerar sucessões de erros e omissões como as que redundaram nas cenas de terror daquela noite de janeiro de 2013
Ao fim da longa espera pelas responsabilizações, permeada por padecimento e saudade, espera-se que finalmente as famílias e os amigos das vítimas possam encerrar uma etapa fundamental do luto, que é definido como conjunto de reações humanas a uma perda. Sem um julgamento, no qual foram relembrados detalhes, circunstâncias e enredos, seria impossível tentar, pelo menos, seguir em frente.
Condenar alguém por um crime supera em muito o mero desejo por vingança ou castigo. Punições devem servir de exemplo para uma sociedade democrática, que por meio de suas instituições não pode tolerar sucessões de erros e de omissões como as que redundaram nas cenas de terror daquela noite de janeiro de 2013.
O fim do julgamento não pode, jamais, significar esquecimento. Ainda há muito a se debater sobre o tema, por vieses que vão da legislação e da fiscalização e passam pela análise crítica e construtiva de um sistema jurídico que permite nove anos de protelações entre um evento como o da Kiss e o julgamento dos réus. Spohr foi sentenciado a 22 anos e seis meses de reclusão. Hoffmann, a 19 anos e seis meses. Santos e Leão, a 18 anos de prisão. Faccini Neto determinou o início imediato do cumprimento da pena, mas um habeas corpus preventivo impediu o recolhimento. A batalha jurídica, portanto, vai prosseguir, algo não inesperado, dado a natureza do arcabouço processual brasileiro, abundante de recursos. Isso não anula, entretanto, o sentimento de ter sido obtida a reparação sentimental aceitável tanto às famílias quanto à comunidade santa-mariense.
Cabe-se ressaltar também o papel sóbrio, eficiente e altamente profissional do juiz que presidiu o júri em um caso de alta complexidade e intensa carga emocional. Orlando Faccini Neto esteve à altura da tradição do Judiciário gaúcho, um dos melhores do Brasil, sem dúvidas. Mesmo que mitigada, a dor pelos que se foram nunca passará. O papel da Justiça, nesse caso, é ajudar a conviver com ela.
A homenagem à memória dos jovens plenos de futuro que foram à boate Kiss para se divertir e nunca mais voltaram para casa deve ser honrada. De fato, alguns passos importantes já foram dados depois do incêndio, como a aprovação de leis mais rígidas de prevenção para locais que recebem o público. É por isso que devemos sempre lembrar. Para que o tempo não apague as imagens e as lições daquela noite que chocou e entristeceu o mundo.
Se foi possível obter melhores indicadores na área, com impacto na vida real, é preciso acreditar que se possa também melhorar o desempenho na educação e na saúde