Enquanto 2020 chegava ao fim, reinava no governo federal uma tranquilidade olímpica. O pior da pandemia ficara para trás. Não havia pressa para a aquisição de vacinas e, pelo lado da economia, a previsão de um ritmo decrescente de infecções indicaria que não seria necessário renovar o auxílio emergencial ou pensar em novas rodadas de medidas para amparar empresas. O otimismo do Planalto, entretanto, desconsiderava novos alertas de especialistas indicando que existia, sim, um risco de recrudescimento da peste, que àquela altura já havia levado a vida de quase 200 mil brasileiros.
A imprevidência, agora, cobra um custo alto do país. Com poucas vacinas à disposição, a dura realidade bate à porta. Baseado em projeções pouco factíveis, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello chegou a prometer ao país completar a imunização dos grupos prioritários em maio. Agora, o novo titular da pasta, Marcelo Queiroga, admite que só será possível encerrar esta fase em setembro, quatro meses depois.
O momento exige conjugação de esforços e uma divisão produtiva de responsabilidades para encontrar soluções
A incúria fez ainda com que os brasileiros mais vulneráveis ficassem quatro meses sem auxílio emergencial, atravessando sem qualquer renda o período em que governantes locais foram obrigados a lançar mão de medidas de contenção de circulação e fechamento de parte das atividades para diminuir os contágios pela covid-19, enquanto os hospitais entravam em colapso. O resultado foi o aumento da fome e da miséria. Ainda na área da saúde, a escassez de medicamentos para entubação e o temor de falta de oxigênio, como ocorreu em Manaus, devem da mesma forma ser debitados na conta da inação diante de sinais claros de problemas à frente.
Todo o imbróglio que envolve o orçamento de 2021, também fruto de uma inacreditável falta de planejamento, atrasa a volta do Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm), programa bem pensado pelo governo federal no ano passado que permite acordos para redução de jornada de trabalho e de salários, ajudando empresas a evitar demissões. Um número ainda maior de desempregados significa aumentar ainda mais o drama social vivido no país. Sem uma clara diretriz do Ministério da Educação ou esforço para colocar professores e funcionários da área de ensino nos grupos prioritários da vacinação, a volta às aulas presenciais é tema que se arrasta, com entendimentos diferentes país afora.
Neste momento em que seria necessário acelerar, e não reduzir o ritmo de imunização, o país conta com pouca disponibilidade de doses, resultado do atraso das negociações com laboratórios, ainda no ano passado, um problema agravado também pelos laboratórios que não estão conseguindo, em muitos casos, sequer entregar as encomendas contratadas no prazo, algo que não se circunscreve ao Brasil e ocorre inclusive na União Europeia. Entre os públicos em que a imunização avançou, os benefícios são nítidos, como mostra a redução de 41% de mortes de idosos com mais de 80 anos no Rio Grande do Sul, na comparação entre abri l e março. Mas a velocidade aquém do necessário na vacinação preocupa. Enquanto o vírus estiver circulando com força, aumenta o perigo de surgimento de novas variantes e de retrocessos nas conquistas tímidas alcançadas pelo país especialmente nos grupos que já tomaram as suas duas doses.
Mas de nada adianta, agora, ficar apontando responsabilidades. Ao menos no Ministério da Saúde há uma correta mudança de mensagem. Espera-se que o governo federal continue assegurando os recursos para manter leitos e adquirir medicamentos e, unindo-se a Congresso, prefeitos, governadores, entidades e empresas, seja possível existir uma mínima comunhão de esforços para agilizar a imunização com as doses disponíveis. A sociedade também está mais uma vez desafiada a buscar convergência e solidariedade para aplacar a fome de milhões de brasileiros. O momento exige conjugação de esforços e uma divisão produtiva de responsabilidades para encontrar soluções.