Os pronunciamentos dos líderes das maiores economias do mundo, ontem, no primeiro dia da Cúpula do Clima, mostraram que não existe hoje um tema que gere tantos consensos. Nem nas discussões em torno da pandemia há tamanha convergência de entendimentos. Nos discursos, ao menos, todos os governantes parecem ir na mesma direção. A importância da preservação ambiental e a necessidade de uma conversão energética para diminuir a emissão de gases de efeito estufa e mitigar o aumento da temperatura do planeta passaram a ser unanimidade, mas de nada adiantará toda a retórica engajada se não forem colocadas em prática as boas intenções expressadas pelas nações de todos os continentes e comandadas por diferentes visões políticas.
O pronunciamento razoável de Bolsonaro, portanto, precisa passar a encontrar eco no dia a dia das ações do governo
A grande voz divergente era, há poucos meses, os Estados Unidos sob Donald Trump, realidade radicalmente alterada agora com a chegada de Joe Biden à Casa Branca. O isolamento e a grande pressão internacional também forçaram uma mudança no tom do presidente Jair Bolsonaro, tanto na carta enviada semanas atrás a Biden quanto no discurso do mandatário brasileiro, ontem – Dia da Terra e exatamente um ano depois da famigerada reunião em que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, observou a chance de "passar a boiada".
A necessidade de casar discurso com ações efetivas é ainda mais importante no Brasil, maior potência ambiental do planeta e fonte global de preocupações pelo desmatamento na Amazônia. Um incauto que desconhecesse a realidade brasileira consideraria positiva a participação de Bolsonaro na cúpula. O problema, mais uma vez, é que a versão do presidente não encontra aderência com os acontecimentos. A promessa de aumentar a verba de fiscalização se esboroa diante da constatação da diminuição dos recursos para a área nos últimos dois anos, o aumento do desmatamento, as demissões no Ibama, o sucateamento do ICMBio e as sucessivas ações de Salles, completamente opostas ao que deveria fazer no cargo que ocupa. Ao menos Bolsonaro deixou de lado a teoria conspiratória de que há um complô internacional contra o Brasil.
O pronunciamento razoável de Bolsonaro, portanto, precisa passar a encontrar eco no dia a dia das ações do governo. Para isso, não basta dispensar Salles. As diretrizes são ditadas pelo próprio presidente, que até agora mostra satisfação com o trabalho do auxiliar. É o próprio Bolsonaro que teria de sinalizar um caminho diferente daqui para a frente, adotando medidas práticas que possam frear o desflorestamento e ajudar o Brasil a alcançar de fato as metas anunciadas de redução de 43% das emissões até 2030, eliminar o desmatamento ilegal até lá e alcançar a neutralidade climática em 2050. Se a declaração do presidente for apenas para ganhar tempo, a comunidade internacional, já cética, perceberá rapidamente, elevando a solidão global do país. Se o Brasil quer recursos internacionais, só conseguirá se, de fato, demonstrar mudança de postura.
O evento virtual organizado por Biden, ontem e hoje, é uma preparação para a Conferência do Clima, em novembro, em Glasgow, na Escócia. Com os EUA agora empenhados na causa e a disposição dos países de obter avanços, é possível sonhar que, daqui a sete meses, o mundo tenha melhores perspectivas de tirar o Acordo de Paris do papel, para o bem da humanidade e sustentabilidade da economia.