Há um forte simbolismo e uma mensagem clara na escolha do Programa Mundial de Alimentos da Organização das Nações Unidas (ONU) como o vencedor do Nobel da Paz em 2020. Formalmente, a iniciativa foi laureada pela dedicação em combater a fome, especialmente em zonas de conflito, mas o tema da insegurança alimentar tem despertado preocupações ainda maiores neste ano de pandemia, em que um enorme contingente de pessoas é jogado na pobreza pelo colapso de sistemas econômicos, perda de emprego e de renda e, por consequência, enfrenta dificuldades ainda maiores para comer o mínimo necessário para a sobrevivência ou para uma vida digna.
Todos os que vêm atuando para minimizar o drama da fome, em qualquer canto do mundo, também podem se sentir contemplados
A opção por distinguir a ação de um organismo que pulsa pela união de esforços de várias nações, da mesma forma, também pode ser interpretada como a busca por reforçar os valores do multilateralismo. Algo oportuno diante da vigência de uma era em que o isolacionismo passou a ser uma bandeira de vários líderes de países importantes. É ainda o reconhecimento do quanto a solidariedade pode fazer a diferença em um mundo desigual. Afinal, todos os suprimentos distribuídos pelo programa, que apenas no ano passado levou alimentação a 97 milhões de pessoas de 88 países, têm origem apenas de doações voluntárias
A própria ONU indica que cresceu vertiginosamente o número de pessoas submetidas à insegurança alimentar. De cerca de 135 milhões no ano passado, para aproximadamente 270 milhões neste 2020 pandêmico. Ou seja, o dobro. No Brasil, um das nações com maior abismo social no mundo, não é diferente. Há menos de um mês, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou a Pesquisa de Orçamentos Familiares, referente aos anos de 2017 e 2018. Mostrou que, de cada 10 lares, em quatro não há acesso adequado a alimentação. A proporção, que vinha diminuindo nas sondagens anteriores, voltou a subir. Muitas das atingidas por este flagelo, com um quadro agravado pelo afastamento das escolas, onde poderiam encontrar uma refeição, são crianças – que, aliás, têm hoje o seu dia no Brasil. Milhões passarão o 12 de outubro sob o risco de não ingerirem os nutrientes necessários para um crescimento sadio.
A solidariedade para garantir alimentos e itens de primeira necessidade à população carente e mesmo a entidades que amparam pessoas com as mais diversas dificuldades e limitações, aliás, foi uma marca dos brasileiros e dos gaúchos ao longo da pandemia, com doações voluntárias de cidadãos e a mobilização de organizações do terceiro setor e de empresas para ajudar quem precisa. Uma prova de que, em tempos desafiadores, a compaixão e o sentimento de humanidade falam mais alto. Ainda na semana passada, em outra iniciativa meritória, o Ministério Público assinou protocolo de intenções com instituições e estabelecimentos comerciais para reduzir o desperdício de comida em Porto Alegre e assim combater a fome, a partir de uma proposição da PUCRS que uniu outras companhias e entidades para colocar em prática a legislação que possibilita a doação de alimentos em boas condições. Uma ação afinada com os propósitos da Academia Sueca ao premiar o programa da ONU. Desta forma, todos os que vêm atuando para minimizar o drama da fome, em qualquer canto do mundo, também podem se sentir contemplados pelo Nobel da Paz.