A polêmica envolvendo a decisão de soltar um dos bandidos mais perigosos do país expõe, novamente, os perigos da fissura que divide o Supremo Tribunal Federal (STF). Embasado na lei que manda renovar as prisões preventivas a cada 90 dias, o ministro Marco Aurélio Mello determinou que um líder da principal organização criminosa do país ganhasse liberdade. Imediatamente, a decisão foi cassada pelo presidente da corte, ministro Luiz Fux. Divergências são naturais e saudáveis em um tribunal, mas a forma como a Suprema Corte brasileira reiteradamente lida com elas, não. A falta de civilidade e de espírito público na relação entre alguns de seus integrantes se constitui em exemplo negativo em um momento em que a cena pública nacional está contaminada pela radicalização. Enfrentamentos públicos, com expressões que mais remetem a um bate-boca de boteco, são inaceitáveis na ordem democrática e na conduta esperada de integrantes do mais importante tribunal do país.
É justamente por reconhecer o papel nevrálgico e insubstituível do STF que a sociedade deve estar atenta ao que lá acontece
Trata-se aqui de um desvio no foco do debate, que jamais deveria ter ingressado na esfera das deselegantes acusações entre magistrados, para ficar restrito à conformidade legal das decisões e nas suas relações com o texto constitucional. No mesmo contexto, o país já nem se surpreende mais quando, nos meios jurídicos, nomes próprios passam a ser mais relevantes do que teses e interpretações. O sentido mais profundo da democracia, dessa forma, fica ameaçado quando se avolumam as pressões para que decisões judiciais sejam tomadas em função de circunstâncias momentâneas e não na correta perspectiva da preservação de valores perenes.
Sobre a decisão do ministro Marco Aurélio, mais útil para o país seria questionar a lei por ele evocada, o porquê da não renovação do pedido de prisão por parte das autoridades competentes e as falhas que levaram, ao que tudo indicava até o fechamento dessa edição, à fuga do bandido para Paraguai ou Bolívia.
É verdade que considerável parte dos integrantes do STF consegue se manter imune ao choque de egos que emoldura e pauta de forma contumaz as notícias oriundas da corte, mas a parcela espalhafatosa contamina a imagem e os alicerces da instituição criada com a missão de ser a última guardiã de um dos bens mais delicados e preciosos de uma nação: o seu texto constitucional. Importante deixar claro que eventuais críticas ao STF não ofuscam seus tantos acertos e a qualidade técnica de seus integrantes. É justamente por reconhecer o papel nevrálgico e insubstituível da Suprema Corte que a sociedade deve estar atenta ao que lá acontece e, de forma cidadã, pressionar para que ela se mantenha independente e forte.