Ao demonstrar destempero e agressividade no ataque a um repórter do jornal O Globo que o questionou sobre as estranhas transações financeiras entre Fabrício Queiroz e a primeira-dama, o presidente voltou a agir como o Jair Bolsonaro de sempre quando se vê contrariado: irascível, descontrolado e sem argumentos razoáveis. No surto de virulência, o presidente interrompeu de forma estrondosa a fase paz e amor que vinha se autoimpondo há pouco mais de dois meses, desde a primeira prisão de Queiroz, e destampou novamente as incógnitas que permeiam a relação com o primeiro-amigo da família presidencial.
Confrontado com a questão, Bolsonaro poderia tê-la ignorado, tergiversado, negado ou, preferencialmente, explicado a origem dos depósitos na conta de sua esposa. Não fez nada disso – agrediu de novo um jornalista que fazia uma pergunta latente e previsível diante das circunstâncias que envolvem o caso. A reação grosseira de Bolsonaro – “a vontade que eu tenho é de encher sua boca de porrada” – dá bem a dimensão sobre o desconforto, e falta de resposta, que a questão enseja.
Justas ou não, as suspeitas precisam ser investigadas e esclarecidas pelo próprio presidente
Em novembro de 2018, já eleito, Bolsonaro justificou a entrada de R$ 24 mil em cheques a Michelle como devolução de parte de um empréstimo de R$ 40 mil ao amigo – que não haviam sido declarados à Receita Federal. Há duas semanas, a revista Crusoé e o jornal Folha de S. Paulo revelaram que os depósitos, na realidade, somam 27 cheques, no total de R$ 89 mil depositados por Queiroz e sua mulher, Marcia Aguiar. Os dois cumprem prisão domiciliar no Rio de Janeiro.
O problema do presidente não é tanto sobre a envergadura dos valores. Na triste história nacional de lavagens de dinheiro, desvios e malversações de recursos públicos, R$ 89 mil representam uma quantia relativamente modesta. No entanto, a falta de explicação sobre esses recursos depositados por um ex-assessor próximo de milicianos do submundo do Rio de Janeiro escava um abismo de indagações e desconfianças sobre o presidente e sua família.
Justas ou não, as suspeitas precisam ser investigadas e esclarecidas pelo próprio presidente, que, ao contrário, comporta-se de modo explosivo e como um mandatário acuado, expondo, simultaneamente, a figura da primeira-dama. A reação do presidente é mais uma reviravolta na lista de compromissos que, em razão dos problemas da família na Justiça, ele vai arquivando desde que assumiu a Presidência – além de silenciar sobre a origem de dinheiro suspeito, Bolsonaro recorre agora às graças do centrão, sempre disposto a trocar apoio por préstimos e acessos ao poder.
É um péssimo momento para Bolsonaro afundar-se cada vez mais nas dificuldades para explicar as relações com Queiroz. Em meio à pandemia de covid-19, o presidente deveria capitanear os esforços para amenizar os efeitos perversos da doença, como o bem-vindo programa de retomada do desenvolvimento que deve ser anunciado nos próximos dias. No entanto, o presidente, assombrado por meses pelo enigma sobre onde andava o amigo ligado às milícias, ofusca as próprias iniciativas ao escancarar de supetão a nova pergunta que não vai calar: afinal, por que Queiroz depositou R$ 89 mil na conta da primeira-dama?