Um dos maiores desafios das próximas eleições municipais brasileiras será o de conter o avanço do poder do crime organizado, principalmente infiltrações do narcotráfico e das milícias na política. O alerta, que já teve referências anteriores de magistrados e de autoridades políticas, merece agora atenção especial, no momento em que as energias do país são drenadas para o combate a uma crise sanitária sem precedentes, agravada pelo tensionamento político que tem Brasília como epicentro.
O fenômeno da migração do crime organizado das sombras para a institucionalidade não é novo e nem exclusivo do Brasil, mas vem se acentuando entre nós há alguns anos. Agora, ameaça atingir um novo patamar, impulsionado por dois fatores fundamentais. Primeiro, pela proximidade das milícias com os agentes locais, em uma eleição municipal. Em segundo lugar, mas igualmente determinante, está a capacidade de financiamento das organizações criminosas, especialmente as ligadas ao tráfico e ao contrabando.
Cabe ao cidadão pesquisar e conhecer profundamente o passado e as ligações dos candidatos que se apresentarão para concorrer a vereador e a prefeito
Com a proibição das doações de empresas às campanhas e o elogiável aperto da fiscalização e da punição ao caixa 2, os recursos antes disponíveis para os demais candidatos secaram, gerando uma vantagem a quem continua a se abastecer de verbas ilegais, mas obtidas de outras fontes.
Não é exagerado o temor de que o vácuo do Estado em determinadas regiões facilite a imposição de candidaturas pela força, seja a das armas, seja a do dinheiro sujo. Nesse contexto, é fundamental a coordenação entre os agentes públicos de todas as esferas.
Esse não é um problema apenas da Justiça Eleitoral, e sim uma grave ameaça de corrosão da democracia a partir da contaminação de suas já fragilizadas engrenagens. Por isso, é inadiável investigar e coibir a expansão da base política ligada ao crime, antes que ela chegue às prefeituras e às Câmaras de Vereadores e, assim, se torne protegida pela impunidade e fortalecida pela possibilidade de influência nas esferas da gestão pública.
Uma importante demonstração da relevância desse esforço foi a Operação Chicago, deflagrada pela Polícia Civil gaúcha no dia 13 de agosto para desarticular uma organização criminosa que teria lavado mais de R$ 17 milhões do tráfico de drogas. Foram cumpridas 151 ordens judiciais em nove municípios do Rio Grande do Sul. Entre os presos, um ex-candidato a deputado estadual, o que, de acordo com a própria polícia, demonstra que os bandidos tinham a intenção de atuar na esfera oficial do Estado.
Na verdade, nomes associados à contravenção deveriam ser barrados pelos próprios partidos, primeiros filtros desse processo. Mas nem sempre isso ocorre. Quando essa trava de segurança falha, por incompetência ou omissão, cabe ao cidadão pesquisar e conhecer profundamente o passado e as ligações dos candidatos que se apresentarão para concorrer a vereador e a prefeito. A consciência individual é a última fronteira entre o certo e o errado, especialmente quando o Estado é incapaz de se fazer presente e atuante em grandes regiões infectadas por organizações criminosas que, no fim das contas, buscam apenas poder e dinheiro a qualquer custo, uma conta que se traduz nos números da violência, da adição às drogas e da corrupção que ainda contamina a vida do país.