Da derrubada do veto no Senado a novos reajustes de servidores à súbita conversão do presidente Jair Bolsonaro ao assistencialismo, Brasília demonstra mais uma vez como o gás tóxico da demagogia e do populismo embriaga políticos e abre abismos de incerteza para a estabilidade econômica do país em meio à maior crise do século.
Que a irresponsabilidade fiscal, que põe a retomada do crescimento na corda bamba, é uma marca registrada de grande parte dos gabinetes no Planalto não chega a ser uma novidade. Entra governo e sai governo, a fórmula de abrir as burras públicas, mesmo que em plena indigência financeira, para agradar a setores do eleitorado torna-se uma constante, com pequenos e breves surtos de consciência incapazes de reverter a desesperança em relação à volta segura e rápida do Brasil aos trilhos do desenvolvimento.
O gás tóxico da demagogia e do populismo embriaga políticos e abre abismos de incerteza para a estabilidade econômica do país
Justiça seja feita ao presidente Jair Bolsonaro: ele não é o único a ser acometido pela peste populista que derruba as defesas do realismo fiscal e se espalha pelas células públicas, produzindo delírios de que basta vontade política para que os recursos brotem do nada e permitam uma gastança sem fim. Além de um núcleo próximo ao presidente, grande parte do Congresso e das cortes jurídicas em Brasília segue na contramão da exigência de se gerir cada centavo arrecadado no Brasil, com absoluto discernimento, no foco duplo de curto e longo prazos: em debelar as principais urgências sociais, em servir à imensa maioria sem voz da população e, ao mesmo tempo, assegurar a estabilidade econômica.
As tentativas de derrubar o teto de gastos para manter em alta a popularidade do presidente, a libertinagem nas concessões a servidores por parlamentares e as dificuldades impostas por ministros do STF a cortes na máquina pública são sintomas da doença que, aos poucos, vai contaminando a confiança de que o Brasil – depois de anos de irresponsabilidade fiscal do petismo – seria capaz de trilhar o caminho da modernização e do desenvolvimento. Não é por acaso que o dólar sobe sem parar – longe de Brasília, os termômetros detectam claramente os riscos de se seguir nesta trajetória alucinada.
O vírus do populismo gera inevitavelmente visões embaçadas pelas lentes da burocracia estatal. Antes da pandemia, e ainda mais durante a calamidade sanitária, a prioridade absoluta deveria ser o combate à fome e ao caos social entre aqueles que realmente necessitam, o atendimento das emergências de saúde e a mitigação do desemprego que abate os trabalhadores da iniciativa privada. Na prática, o que se vê a partir de Brasília é a proibição, pelo STF, de se cortar salários de servidores, ainda que tenham redução significativa de atividades e, ao contrário, pressões para se furar o teto e até aumentar os vencimentos públicos. Os sacrifícios nos quais se debatem os demais brasileiros passam ao largo de boa parte dos gabinetes de Brasília, deixando o ministro da Economia, Paulo Guedes, na condição de um cavaleiro solitário a pregar no deserto pelo desvelo no trato dos impostos.
"Pegar dinheiro de saúde e permitir que se transforme em aumento de salário é um crime contra o país", disse o ministro ao saber da temerária votação no Senado. Na sua sinceridade, diante de descalabros como a tentativa de rasgar o acordo de não reajustar o funcionalismo em troca da concessão da ajuda emergencial aos Estados, Guedes sintetizou o desalento de desempregados, trabalhadores com salários reduzidos ou contratos suspensos e empreendedores com rendas ceifadas pela pandemia. Apesar de discursos e promessas em contrário, a Praça dos Três Poderes segue distante do Brasil real.