A nova greve na Empresa de Correios e Telégrafos (ECT), a 10ª em nove anos, lembra uma paralisação deflagrada em 2015 pelos motoristas de táxi de Mumbai, na Índia, contra a chegada dos aplicativos de transporte. Sem os populares táxis da cidade, a população em peso passou a usar o transporte por aplicativos, em um movimento que acelerou a adoção do sistema alternativo e contribuiu para ampliar as dificuldades dos taxistas.
No Brasil, a sequência de paralisações nos Correios tem o condão de levar os usuários, entre os quais milhares de empresas, a deixar de lado a incerteza do funcionamento da estatal e se voltar para o crescente número de serviços privados de logística. Por erosão da eficiência e das greves sem fim, os Correios perderam clientes em profusão nos últimos anos. Com a pandemia, quando o comércio eletrônico registra um salto, cria-se agora mais um abismo difícil de ser revertido. Como a entrega de mercadorias não pode parar, as empresas de logística particulares ganham de presente novas fatias de mercado, realimentando ainda mais a corrente a favor da privatização dos Correios – exatamente o ponto central que a nova greve pretende combater.
Os Correios já foram uma das empresas mais confiáveis e admiradas no Brasil, a começar pela simpatia da população pela tradicional figura do carteiro. No entanto, ao longo de uma série de governos a empresa foi sendo apropriada por grupos políticos que, de um lado, estenderam aos mais de 100 mil funcionários e suas famílias benefícios impensáveis na atividade privada, como um adicional de férias de 70 % e plano de saúde que inclui pais e mães. De outro lado, foi no primeiro governo de Lula que a ECT se transformou em epicentro do episódio do mensalão. Aparelhada e ocupada por alguns dirigentes que se comportavam como salteadores, a empresa foi perdendo o brilho e o vigor, enquanto os concorrentes privados, mais leves e eficientes, avançavam celeremente no disputado território da logística.
Além de cortar benesses, é preciso transformar profundamente a empresa para a privatização e a competição no ecossistema digital
Ao se eleger, o presidente Jair Bolsonaro prometeu dar curso ao processo de privatização da estatal e chegou a trocar um presidente que, com a missão de vender a empresa, logo se habituou às regalias do cargo e passou a colocar a iniciativa para escanteio.
A atual administração conseguiu melhorar a performance econômica da empresa, que já não produz prejuízos bilionários mas ainda se confronta com a resistência ao corte de benefícios e com uma ineficiência estrutural diante de um mundo que já não depende mais de cartas para se comunicar. Apenas de março a junho, por exemplo, o Procon de São Paulo registrou um crescimento de 398,5% nas reclamações contra a empresa em relação ao ano passado.
Apesar de os Correios ainda manterem alguns serviços de razoável qualidade e de estarem presentes, por via direta ou indireta, em todos os cantos do Brasil, a velocidade de transformação imposta pela disrupção digital não é compatível com a condição da empresa como um mamute estatal que vive em um passado que não existe mais. A preparação da ECT para a venda, com largos benefícios para a sociedade, que utiliza seus serviços e é chamada a pagar a conta de suas ineficiências, é um imperativo. Contra ele levanta-se parte dos funcionários, contrariados por um saneamento financeiro que inclui a suspensão do acordo coletivo, referendado na sexta-feira pelo STF. Além de cortar benesses, é preciso transformar profundamente a empresa para a privatização e a competição no ecossistema digital.
O caso da Embraer é exemplar. Estatal, a empresa deu início à moderna indústria aeronáutica brasileira, mas nesta condição não lograva incorporar as mudanças e inovações necessárias para enfrentar a concorrência internacional, e os prejuízos foram se acumulando. Privatizada, a Embraer adotou práticas de gestão modernas, identificou novas oportunidades, desenvolveu aeronaves de reconhecida qualidade e conquistou mercados. Ganharam seus colaboradores e o resto do Brasil, que deixou de canalizar os impostos de todos para financiar eventuais prejuízos de uma empresa diante das oscilações de mercado. Aos Correios pode suceder trajetória similar à da Embraer, e até sonhar com mercados estrangeiros. Mas o governo precisa concretizar logo a privatização, porque, a cada greve, a empresa vai perdendo mais territórios em um mercado crescentemente competitivo.