Não há crise na Argentina que possa fazer bem para o Brasil. A recíproca, como não poderia deixar de ser, é verdadeira. Os números mais recentes do comércio exterior entre os dois maiores sócios do Mercosul apontam que, em 2019, pela primeira vez em 16 anos, caminha-se para um déficit nas trocas com o país vizinho. A projeção é de que as importações superem em US$ 1 bilhão as exportações, enquanto em 2018 foi registrado superávit de US$ 3,8 bilhões.
O quadro inusitado é reflexo do aprofundamento do declínio ao longo do ano do parceiro sul-americano, o principal mercado estrangeiro da indústria nacional.
Laços históricos, culturais e econômicos dos países do Mercosul precisam prevalecer em relação a eventuais rusgas dos governantes da hora
O resultado da turbulência do outro lado da fronteira é um atraso ainda maior na recuperação do nível de atividade das fábricas brasileiras e, por consequência, da economia nacional como um todo. Embora em menor magnitude, a situação brasileira ainda frágil também reduz os negócios na mão inversa. Perdem os dois, pela significativa interdependência. Por outro lado, o reerguimento de ambos será benéfico para todo o sul do continente. É o que se precisa reafirmar em tempos de estranhamentos entre o Planalto e os futuros residentes da Casa Rosada.
Apesar das assimetrias nos tamanhos dos mercados, os laços históricos, culturais e econômicos dos países do Mercosul, especialmente entre Brasil e Argentina, precisam prevalecer em relação a eventuais rusgas dos governantes da hora. A alternância de poder nos membros do bloco, independente do matiz ideológico, é fruto das decisões soberanas dos seus eleitores e precisa ser respeitada, preponderando as relações institucionais e diplomáticas entre os Estados, que são de caráter permanente e não transitórias. Diante de pleitos recentes na região carregados de cólera, um exemplo de civilidade é o Uruguai, que prova a sua maturidade democrática. Após 16 anos de governos da Frente Ampla, de esquerda, a provável vitória da centro-direita nada mais é do que uma saudável e natural mudança de ares.
Independentemente de quem sejam os ocupantes da vez dos palácios, portanto, o Mercosul tem de ser preservado e aprimorado. Imperfeições, diferentes visões e interesses distintos têm nas mesas de negociações e canais diplomáticos os foros adequados para serem encontrados consensos e soluções que levem a ganhos comuns. Uma destas oportunidades será no Rio Grande do Sul, na reunião de cúpula do bloco marcada para o início de dezembro, em Bento Gonçalves. Além de ministros e chanceleres, a expectativa é pela presença dos chefes de Estado do Mercosul.
Preocupa, neste contexto, reiteração recente do ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, no sentido de não descartar a saída do Brasil do bloco. O momento de instabilidade na América do Sul pede mais pragmatismo e serenidade do que arroubos e provocações que alimentem conflitos políticos por diferenças ideológicas.