Por Igor Oliveira, consultor empresarial
Quando o Brasil saiu da ditadura por meio de movimentos como o Diretas Já, o direito ao voto foi o elemento central dessa transição. Eleições têm um papel simbólico na construção de democracias. Escolher representantes é uma necessidade básica. Então, é compreensível que essa tenha sido a bandeira principal da redemocratização.
O lado ruim dessa escolha é que outros elementos da democracia, como a aplicação da lei e a participação social, são tratados como secundários.
É possível recordar episódios nos quais governantes abusaram do papel do voto na memória coletiva sobre o que é democracia.
Quando FHC foi reeleito com base em uma emenda introduzida durante seu primeiro mandato, a mensagem de fundo foi: se as urnas aprovarem, o presidente pode ficar por mais quatro anos. Acontece que a premissa para a primeira eleição de Cardoso fora que ele ficaria por apenas um mandato. Esse fora o contrato. Se houvesse a possibilidade de reeleição desde 1994, talvez o debate tivesse sido diferente e ele sequer fosse eleito.
Uma cláusula de reeleição só pode ser acordada com ao menos um mandato inteiro de antecedência, para não constituir um truque eleitoral.
Na eleição de 2014, com fortes indícios de uso eleitoral de dinheiro desviado de estatais, os tribunais não tiveram coragem de ir adiante no processo de cassação das duas chapas envolvidas.
Diante dos sinais de que apoiadores de Bolsonaro construíram, a partir dos Estados Unidos e de outras localidades, uma rede de desinformação massiva com bots e grupos públicos no WhatsApp, as instituições novamente fraquejaram. Nesse caso, além do elemento legal, também pode ter havido distorção no sentido da participação social na política. Mídias sociais não são meros canais de broadcasting, mas ferramentas de interação entre cidadãos.
Visto que é impossível, por enquanto, controlar esse uso massivo de plataformas digitais, que seja liberado esse recurso. Quando vedamos um mecanismo apenas na teoria, já que não é possível fiscalizar, premiamos a candidatura que mais desobedece às regras. Foi o que aconteceu no ano passado.
O preço que pagaremos no futuro por esses e outros episódios é o descrédito da democracia brasileira, que poderá contribuir com uma mudança de regime. Não faço aqui um julgamento de valor: mudanças de regime podem ser ruins no início e boas no final, ou vice-versa. O fato é que estamos nesse caminho.