Por Silvana de Oliveira, psicóloga, conselheira presidente do Conselho Regional de Psicologia RS
O debate sobre a internação involuntária coloca em cena uma discussão polêmica em torno do tratamento em saúde das pessoas que fazem uso problemático de álcool e outras drogas. A nova legislação autoriza a internação involuntária através de avaliação médica, o que até então já ocorria. Porém, a legislação inova no seguinte aspecto: é possível que trabalhadores da saúde, da assistência social e dos serviços integrantes do Sisnad (Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas) a solicitem. Não promove uma nova prática, mas cria um fluxo direto.
O tensionamento se dá, em primeiro plano, ao direito da pessoa de não ser submetida a algo que não deseja ou autoriza. Mas o pano de fundo é complexo e amplo. Perpassa a questão da violação das liberdades individuais e de aspectos do sistema e do atendimento em saúde que vivenciamos.
A política de saúde está com financiamento público congelado por 20 anos. Qualidade, nesse campo, se traduz em planejamento, orçamento e gestão. A Rede de Atenção Psicossocial sofre os efeitos do ajuste orçamentário. Não se investiu na internação em leitos de hospitais gerais, nem na ampliação de serviços nos territórios. Soma-se a esse cenário a entrada das chamadas comunidades terapêuticas, que não têm como base o trabalho técnico-profissional.
Como podemos garantir o cuidado longitudinal, estratégico e necessário sem que haja serviços para tal? Nesse contexto, a nova regulamentação abre espaço para que a internação seja utilizada de forma equivocada, sendo, muitas vezes, a única forma de tratamento ofertada.
Não há uma “epidemia de drogas”, mas uma narrativa que se coloca a serviço de interesses diversos, que envolve um projeto de encolhimento do Estado. O que temos são agravos em saúde que atingem de maneira mais violenta as pessoas e grupos em vulnerabilidade social, sem rede de apoio e cuidado. A qualificação dos serviços e do atendimento, as estratégias de cuidado, o fortalecimento das redes de proteção, esses, sim, deveriam ser os focos do debate.