Por Pedro Dutra Fonseca, professor titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS
A aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara de projeto que dá início à reforma tributária merece comemoração. A tramitação será morosa, mas há o simbolismo de oficialmente inaugurar um debate tão relevante. Preparemo-nos para discussões tão intensas quanto às da Previdência. Afinal, nada mais político, no sentido lato, do que tributação: esta define quem paga para outros gastarem. Como dizia Locke, é por meio dela que o Estado mostra de fato sua soberania: o direito de confiscar parte da renda ou patrimônio de outrem dentro da lei. Há consenso que a estrutura tributária do Brasil é complexa e injusta, com muitos impostos e de difícil fiscalização, regressivos (pesam mais nos mais pobres), com legislação que exige departamentos especializados nas empresas – custo de transação altíssimo que pode ser reduzido sem mesmo alterar a carga tributária. O problema é que a convergência no diagnóstico não implica concordância na solução. Todos querem aproveitar para passar a conta ao outro e, mais complicado, as discussões abrem a oportunidade para as barganhas sobre as sonhadas isenções fiscais.
A reforma tributária servirá de teste ao liberalismo do ministro Guedes, que, por coerência, supõe-se que proporá redução da carga tributária. Como governo, todavia, ele sabe que isso implicará maior déficit primário no curto prazo – justamente o que jurou enfrentar e aponta como a principal causa da estagnação econômica. A experiência recente do IPTU de Porto Alegre mostra que, quando convém, o liberalismo vai às favas. A atualização do valor dos imóveis como base de cálculo do imposto, sabem até os ingênuos, não foi jogo de soma zero (baixar o de uns para levar o de outros), mas justamente aumentar a arrecadação. Até a justiça social – que anda fora de moda – serviu de argumento.
Por fim, está também aberta discussão não só sobre quem paga, mas sobre quem vai poder usufruir. Lembremos: Fernando Henrique Cardoso e Lula formaram ampla maioria parlamentar, mas não suficiente para aprovar reforma tributária. As “marchas” de prefeitos e governadores a Brasília, em cenas nada republicanas, nem se preocupavam com o público pagante, só queriam saber qual a sua parte no bolo. Triste: sequer questionavam de onde viriam a farinha e o fermento.