Por Ely José de Mattos, economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS
Já disse aqui que Delfim Neto foi o responsável por gravar nos anais do discurso econômico populista a máxima de que o bolo precisa primeiro crescer, para depois dividir. A literatura econômica, porém, já produziu muito conteúdo científico desconstruindo essa ideia e garantindo que ela só funciona na culinária – e isso se você acertar a massa!
De qualquer modo, vale relembrar que algumas propostas de desenvolvimento apostavam em desigualdade em favor dos capitalistas, ou seja, dos investidores do setor produtivo, dos empresários. O entendimento era de que eles deveriam ser beneficiados no processo distributivo, para que tivessem mais capacidade produtiva, gerando mais empregos e renda. O que hoje sabemos, no entanto, é que estas iniciativas até geraram sociedades com crescimento econômico, mas não foram capazes de reverter o processo de aprofundamento da desigualdade, que trouxe a reboque problemas como violência, discriminação de classe e cenários políticos coronelistas.
Na minha opinião, o principal problema deste tipo de modelo é a crença cega em um esquema que ignora a complexidade da coesão social e a fragilidade do ser humano. Em fases iniciais de desenvolvimento econômico, o primeiro passo é garantir que a parte de baixo da distribuição tenha o mínimo necessário para integrar dignamente a sociedade e dar sua contribuição ativa para que ela prospere. A partir deste ponto, a desigualdade originada, por exemplo, dos diferentes níveis de aptidão e esforço, é natural. O que não faz sentido é o nível de desigualdade ser tão alto a ponto de transformar a maior parte da população em mera força de trabalho que apenas sobrevive e para quem a meritocracia é uma piada de mau gosto.
Sempre haverá pirâmide social em sociedades capitalistas modernas. A questão é como vive a base! Brinca-se que deve ser melhor ser pobre na Suíça do que no Brasil. Não é por causa do chocolate, eu garanto. É porque estar entre os mais pobres lá não significa levar uma vida indigna.
O modelo de crescimento que paira em Brasília, atualmente, ainda é daqueles ultrapassados. Mas, devemos lembrar que parte significativa da dificuldade que temos em retomar o crescimento econômico hoje deve ser creditada à desigualdade absurda que este modelo de crescimento gerou no passado. Está na hora de pensar diferente. De vintage, só o vinil!