Por Rafael Souto, sócio-fundador e CEO da Produtive Carreira e Conexões com o Mercado
O mundo corporativo vive uma onda sem precedentes de modismos e jargões. A era digital turbinou a disseminação de mantras, impulsionados por animados gurus da administração.
Nesse conjunto de retóricas e promessas, uma das falas preferidas é a afirmação de que pessoas são a parte mais importante da empresa. Em recente estudo global conduzido pela consultoria americana McKinsey & Company com executivos de alta gestão, 82% deles afirmaram que o desenvolvimento das pessoas e seu engajamento no negócio estavam entre suas prioridades de gestão. Mas, quando vamos para a prática, os caminhos mudam de rumo. Esses gestores dedicam menos de 10% de seu tempo em agendas das quais o tema “pessoas” está presente. Costumam delegar essa responsabilidade para a área de Recursos Humanos e pouco se envolvem com o assunto. Entendem que a discussão e a própria gestão de temáticas mais complexas sobre as pessoas são tarefas dos outros. Fogem das conversas mais difíceis.
Vejo que a prioridade sobre pessoas é somente um destaque no conjunto de mentiras corporativas contemporâneas. Podemos incluir uma série de comportamentos e atitudes que são incoerentes com o simpático discurso executivo. Outro exemplo é o tema da diversidade. Falar desta pauta virou assunto para palestras, projetos e eventos de reflexão nas empresas. Mas, quando olhamos a realidade, a diversidade cognitiva, que é o simples ato de expressar ou enfrentar um pensamento ou opinião diferente, ainda é tolhida em boa parte das empresas. Os modelos de comando e controle imperam no dia a dia dos negócios. Se pouco toleramos alguém que pensa diferente, é pouco provável lidarmos bem com as outras diferenças.
Na mesma direção do falatório empresarial estão os discursos sobre sinergia e visão geral da empresa. Na maior parte das vezes, os executivos estão focados no seu feudo. Falam em unidade empresarial, mas detestam o diretor que senta ao lado. Ou seja, pouco se importam com o todo e constroem um castelo de poder para garantir o bônus no final do ano.
Para enfrentar essas dinâmicas esquizofrênicas entre discurso e realidade, talvez pudéssemos criar o dia da verdade nas empresas. Nele, todos falariam sobre o que de fato pensam sobre a companhia, gestão de pessoas e suas agendas pessoais. No entanto, fica um alerta para dois riscos neste momento utópico e improvável. O primeiro é que o próprio evento seja apenas mais um dia de discursos simpáticos e com falsa realidade. O outro e poderoso risco é que, se todos falarem a verdade, talvez ninguém apareça para trabalhar no dia seguinte.