Por Maria Lúcia Tochtrop Costa, advogada
Assunto que mobilizou a mídia e as redes sociais nos últimos meses foi a aprovação pela Argentina da legalização do aborto até a 14ª semana de gestação. O projeto ainda necessita passar pelo Senado para ser concretizado.
Em contrapartida, nesta sexta-feira, dia 03 de agosto e na próxima segunda-feira, dia 06 do agosto, ocorrerão audiências públicas no Supremo Tribunal Federal para análise de ação que pede a descriminalização do aborto, sob a relatoria da Ministra Rosa Weber, que já se mostrou favorável à liberação.
A discussão irá definir se o aborto deve ser visto como problema de saúde pública, se o direito de decidir sobre o próprio corpo é garantido pela Constituição, se a interrupção da gravidez é crime ou se medida para evitar a prática do aborto e proteger a vida das mulheres.
O Brasil encontra-se em um processo político e democrático semelhante à Argentina, razão pela qual penso que chegada a hora de fazermos parte deste processo de discussão de tema tão delicado e ao mesmo doloroso para as mulheres.
O aborto não nasceu nas últimas décadas, ao contrário, sempre existiu, foi e é praticado pelas mulheres que sofrem uma gravidez indesejada pelos mais variados motivos, desde a falta de conhecimento sobre as práticas de contracepção ao abandono pelo parceiro, descabendo a nós julgar fatos e situações que desconhecemos sob o manto religioso ou mesmo legal, analisando a questão sob o viés da saúde pública que está atrelada à realidade material.
Há inúmeras práticas tão merecedoras de crítica quanto o aborto e que não parecem ser fruto de tanta indignação por parte da sociedade, tais como o abandono de crianças, maus tratos a filhos indesejados e outros tantos exemplos, que não levantam as mesmas bandeiras de indignação ou são objeto de busca de solução imediata.
E são crianças inocentes que se perdem e desvirtuam pelo abandono dos pais.
Com tal assertiva não me posiciono a favor do aborto apenas chamo a atenção para que se analise a questão de forma menos visceral, mas sim como um fato real e que, independentemente da descriminalização, seguirá existindo de forma clandestina, no geral insalubre, ocasionando mortes e dor.
Entre o certo, que são políticas governamentais de informação à população, principalmente a mais carente, acerca de métodos contraceptivos e a distribuição de material gratuito nos hospitais e postos de atendimento e o que a realidade do país apresenta, temos que optar pelo caminho possível neste momento, até que o Estado faça sua parte.
Concluo com a frase da deputada argentina Silvia Gabriela Lospennato, que muito bem descreve a dificuldade que a mulher encontra quando da sempre difícil decisão de interromper a gravidez: "O aborto significa uma dor profunda, que se confunde com culpa, com a criminalização e com a desigualdade, que se ampara na ausência do Estado"!