Por Igor Oliveira, consultor empresarial
O anúncio recente acerca da aquisição da unidade de negócios mais lucrativa da Embraer pela Boeing traz uma série de questionamentos importantes. Em matéria de inovação, o florescimento da Embraer pode ser considerado o melhor resultado que obtivemos como nação até hoje. Uma companhia que nasceu em nosso território tornou-se líder mundial em um setor de altíssima complexidade tecnológica, gerando aqui milhares de empregos qualificados.
Primeiro, é preciso entender que a Embraer que conhecemos hoje – uma corporação global com acionistas pulverizados – é fruto de um bem-sucedido processo de desestatização. A estatal estava imersa em dívidas quando teve a maior parte de seu capital vendido pela primeira vez, em 1994, o que permitiu um ciclo de recuperação impressionante nos últimos 20 anos.
Em outras palavras, o governo entendeu que o capital humano e intelectual existente na Embraer, oriundo de políticas públicas de educação e pesquisa, tinha valor. Reconheceu, porém, que era mais vantajoso ser dono de uma pequena parcela de uma empresa com potencial de crescimento do que deter a totalidade daquilo que havia se tornado um elefante branco. Foi uma decisão correta, que rendeu muitos frutos ao Brasil.
Por outro lado, devemos considerar que a golden share e as outras cláusulas pouco habituais que fizeram parte desse acordo são um patrimônio da nação. É verdade que elas atrapalham o desenvolvimento da companhia por não permitirem que a Embraer siga as melhores práticas de governança corporativa, porém, o sentido dessas cláusulas é manter o caráter estratégico que a empresa tem para o Brasil.
Há dúvidas sobre a viabilidade das outras duas unidades de negócio (defesa e aviação executiva) quando se considera uma eventual perda de sinergias com a unidade de aviação comercial. Além disso, a perda de poder estratégico por parte do Estado brasileiro decorrente da operação não foi precificada na oferta dos americanos. Ou seja: no fim das contas, o que temos é uma espécie de tragédia dos comuns, onde um valor intangível que pertencia a todos os brasileiros não será remunerado. A BNDESPar e a Presidência da República, que deveriam defender esse interesse, não parecem conscientes de sua missão. Não digo que a transação não deva acontecer, mas percebo que esses entes não estão negociando o suficiente em nome do Estado, talvez pela total falta de legitimidade dessas instituições perante a população.