Rodrigo Lopes, jornalista e membro do Conselho Editorial da RBS
Na história recente do jornalismo americano, é conhecido o papel desempenhado pelo Times-Picayune, jornal de New Orleans cuja corajosa cobertura da tragédia do furacão Katrina, em 2005, lhe rendeu um prêmio Pulitzer. Menos frequente é o destaque a sua trajetória no período seguinte ao desastre, quando as grandes emissoras dos Estados Unidos e as agências internacionais de notícias retiraram os holofotes da metrópole inundada.
O jornalismo pós-tragédia deve cobrar eventuais responsabilidades, fazer a crítica construtiva diante de planos mirabolantes que surgem no processo e desnudar o aproveitamento político do desastre
O Picayune se tornou um espaço privilegiado de debate de ideias para a reconstrução. Alguns diziam que New Orleans, com 484 mil habitantes pré-furacão, deveria ser abandonada – e uma nova cidade precisaria ser reconstruída em outro lugar, longe do Lago Pontchartrain, no qual os diques esfarelaram-se com o vento. Outros defendiam que a cidade deveria ficar e, com um grande plano de reengenharia, se tornar mais resiliente. Foi o que ocorreu. Mas entre o hoje e o ontem, várias sugestões afloraram nas páginas impressas e da web do Picayune.
Esse é um dos papéis do jornalismo profissional passado o momento mais dramático de uma tragédia, fase na qual o Rio Grande do Sul está ingressando: ser hub para um gigantesco brainstorming, dando voz à Academia, à sociedade civil, ao poder público e à iniciativa privada. Ao mesmo tempo que oferece seus espaços para ser praça pública, um veículo de comunicação funciona como amálgama de convergências em meio a dissonâncias, iluminando o debate com exemplos de fora, de cidades pelo mundo que se tornaram mais fortes após viverem suas catástrofes dentro de casa.
Há também, claro, outros papéis: o jornalismo pós-tragédia deve cobrar eventuais responsabilidades, fazer a crítica construtiva diante de planos mirabolantes que surgem no processo e desnudar o aproveitamento político do desastre. A prática do jornalismo investigativo é profilaxia contra a corrupção.
Em meio a tudo isso, um veículo de comunicação deve ser a alavanca do espírito de um povo, como foi o Picayune em New Orleans: porta-voz das dores da população, mas também de seus anseios de renascimento. No Rio Grande do Sul, quando a verdade submergiu no alagamento da desinformação, o rádio a pilha se tornou um farol. No day after, é na imprensa profissional que a população terá seus direitos esclarecidos e cobrados.
Por fim, o jornalismo perpetua o fato. Não esqueceremos. Quando muitos forem embora, os jornalistas do Rio Grande do Sul continuarão, ano após ano, lembrando a maior tragédia ambiental dos gaúchos – só assim seremos melhores, na vigilância para que não se repita. New Orleans não é igual a antes de agosto de 2005. Assim como o nosso Estado não será depois de maio de 2024. Se seremos melhores ou piores, vai depender de todos nós.