José Galló, empresário e membro do Conselho Editorial da RBS
As últimas três semanas comprovaram um fato: não estamos preparados para tragédias. Estamos assistindo a fenômenos que não existiam há alguns anos. Dizer que isso surpreende é inadequado, porque todos os especialistas, incluindo os meteorologistas, alertam ser este o nosso novo normal. A realidade mudou – e precisamos nos preparar para isso.
Os danos à infraestrutura são gigantescos. Em rodovias, aeroporto, trensurb, portos, pontes, viadutos, a lista não tem fim. A falta de investimentos, inclusive em manutenção, nessas obras fundamentais para a mobilidade e a logística do Estado é evidente. E são bilhões de reais. Os técnicos enumeraram os problemas: estradas sem escoamento de água, plantio inadequado ou inexistente de vegetação às margens, lavouras muito perto dessas estruturas, tubulação de porte insuficiente, pontes obsoletas, prédios construídos em barrancos... Sem falar em captação de água em locais inadequados, casas de bombas inoperantes justamente quando mais se precisa delas ou diques e comportas que não seguram a água. Estamos vivendo no passado. Temos décadas à frente para chegar a uma cultura de investimento e prevenção como a existente no Japão, por exemplo, em que, após repetidas tragédias, prédios que resistem a terremotos foram erguidos. A Holanda tem 60% do seu território abaixo do nível do mar e evita inundações.
Vivemos um momento que não requer explicações futuras. Exige ações agora
Nas nossas cidades, os canos de escoamento estão preparados para uma realidade urbana de 20, 30 anos atrás. Obras cobrem, sem maiores planejamentos, áreas enormes com concreto, asfalto ou outros materiais impermeáveis, fazendo com que a água da chuva escoe para as vias – e ali fique, porque não há tubulação ou bombas adequadas para baixá-la.
Vivenciamos a maior tragédia climática de todos os tempos. Enormes áreas urbanas ficaram às escuras por muitos e muitos dias, pelo alagamento. Imagine se o vento também tivesse ocorrido.
Estamos obsoletos em relação ao novo normal. Os desafios do clima nos deixam sem água, sem luz, sem internet, sem comunicação, sem ruas, sem estradas, sem hospitais, sem escolas, sem segurança, em alguns lugares sem comida sequer.
Não sou especialista, sou apenas um observador e sei que o que vou falar vai ser um pouco duro: os efeitos climáticos que estamos sofrendo são causados em 50% por fenômenos como El Niño ou La Niña. Mas os outros 50% são mudanças no clima que vão piorar, porque os polos estão derretendo, a temperatura dos oceanos está mudando e nossas florestas seguem sendo desmatadas. Vivemos um momento que não requer explicações futuras. Exige ações agora.
O papel do jornalismo neste contexto é fundamental: cabe à imprensa conscientizar a população para que exija uma solução dos problemas da obsolescência em nossa infraestrutura, da inexistência de prevenção de tragédias e de encaminhamento de todos os aprendizados que tragédias anteriores deixaram.