Lidando com crises internas e externas, os presidentes do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai se reúnem nesta quinta-feira (7), no Rio, na 63ª Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul. O evento marca o fim da presidência rotativa do Brasil, em meio à frustração com o adiamento do acordo com a União Europeia, as incertezas sobre o governo de Javier Milei na Argentina e a tensão entre Venezuela e Guiana.
Sem possibilidade de assinatura do acordo com as nações europeias, o evento terá ações mais modestas, como a promulgação da adesão da Bolívia ao Mercosul, ainda pendente de formalização plena, e a celebração de termos para livre comércio com Singapura. Primeiro acordo do bloco sul-americano com um país asiático, a negociação pode gerar, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, um incremento de R$ 28,1 bilhões no PIB brasileiro até 2041.
— Essa integração fortalece os laços econômicos entre o Brasil, o Mercosul e a região asiática, criando oportunidades para maior diversificação das exportações e investimentos — disse nesta quarta-feira (6) o vice-presidente Geraldo Alckmin, na abertura da reunião ordinária do Conselho de Mercado Comum, evento que precede o encontro dos chefes de Estado.
Outro momento marcante nessa edição é a realização da Cúpula Social, que começou segunda-feira com a participação de 300 representantes discutindo democracia e ações humanitárias regionais. Toda a programação, porém, não é suficiente para compensar o desapontamento do governo brasileiro com o adiamento da assinatura do acordo com a União Europeia. O ato havia sido concebido para ocorrer no Rio, no encerramento da presidência pró-tempore do Brasil no Mercosul e da Espanha no bloco europeu.
A frustração veio semana passada, durante a COP 28 em Dubai, quando o presidente francês, Emmanuel Macron, rejeitou as atuais bases do acordo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse entender a posição de Macron, a partir do espírito protecionista que rege as negociações do governo francês, mas reafirmou disposição para seguir avançando nas discussões.
— Não vou desistir enquanto eu não conversar com todos os presidentes e ouvir um não de todos. Aí nós vamos partir para outra — disse Lula na Alemanha, segunda-feira (4).
Costurado há duas décadas, o acordo aproxima um PIB combinado de US$ 17 trilhões, mas esbarra em temas ambientais e compras públicas, motivando questionamento sobre soberania nacional. Lula obteve apoio do chanceler alemão, Olaf Scholz, mas também há dúvidas sobre o real interesse de Milei, cuja posse está marcada para domingo (10) e que já deu declarações públicas contra o Mercosul.
— Esse acordo dificilmente sairá tão cedo. A União Europeia adicionou exigências que dariam a eles poder para fazer sanções inclusive sobre a política interna dos países do Mercosul. Além do mais, o Mercosul é muito sensível a mudanças de humor político. Lula tentou acelerar até para dar um novo ânimo ao bloco sul-americano, incentivando Milei a ficar, mas tudo ainda vai exigir muita negociação — afirma André Reis da Silva, professor de Relações Internacionais da UFRGS.
Embora o representante da Argentina na cúpula do Rio seja o atual presidente, Alberto Fernández, a condução da política externa do país praticamente já está a cargo da futura chanceler de Milei, Diana Mondino. Em visita ao Brasil no final de novembro, Diana acenou com apoio ao acordo. Aproveitando a sinalização, Lula pediu a Scholz que sirva de facilitador junto a Milei e Macron.
Bloco pode sair fortalecido, diz especialista
Para André Reis da Silva, a despeito do adiamento do acordo com a União Europeia, a cúpula do Rio pode servir para fortalecer o Mercosul, um bloco constantemente questionado por seus próprios membros. O especialista lembra que sucessivos presidentes já ameaçaram romper com o bloco, do argentino Mauricio Macri ao brasileiro Jair Bolsonaro, porém todos acabaram recuando.
Segundo o professor, para além da retórica política, os empresários têm interesse na manutenção do mercado comum, fundamental para as exportações brasileiras e argentinas.
— Ninguém tem real interesse em jogar o bloco no lixo ou rebaixá-lo, pois o comércio internacional é muito duro e o Mercosul serve de proteção à indústria, sobretudo à indústria argentina. Então, dificilmente vão decretar o fim do Mercosul num futuro próximo — afirma Silva.