Se a dolarização e a extinção do Banco Central são medidas anunciadas e confirmadas pelo presidente eleito da Argentina, Javier Milei, outras iniciativas, como o esvaziamento ou até a saída do Mercosul, parecem ser levadas a sério pelo governo brasileiro.
Na terça-feira (21), Luiz Inácio Lula da Silva ligou para Ursula van der Leyen, presidente da Comissão Europeia (cargo equivalente ao de um primeiro-ministro), e Pedro Sanchez, que está na presidência rotativa do Conselho Europeu (equivalente ao cargo de chefe de Estado no parlamentarismo) para tentar o que parece impossível: fechar um acordo entre Mercosul e União Europeia antes da posse de Milei.
No entanto, nesta quarta-feira (22), apenas um dia depois, o presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, estava reunido em Pequim com o presidente da China. E Xi Jinping reiterou o interesse de "avançar aceleradamente" para estabelecer uma zona de livre comércio entre os dois países (clique aqui para ver a notícia no jornal uruguaio El Observador).
Ou seja, Lula parece tentar evitar o inevitável, o "adiós, Mercosur" que dois sócios relevantes ensaiam. Para não passar recibo, pode até ser preservada uma instituição genérica chamada Mercosul, em português, ou Mercosur, em español. Mas sem o atual status de "união aduaneira", viraria um mero acordo de vizinhança.
O presidente eleito da Argentina e seus aliados já sinalizaram que a Argentina pretende adotar a "experiência chilena", ou seja, uma forte redução de impostos de importação. O objetivo seria baixar preços de produtos importados no país, como parte do plano de combate à inflação. Como um dos pilares do Mercosul é a Tarifa Externa Comum (TEC), implementar essa medida e seguir no bloco são estratégias incompatíveis.
Por isso, o que Lula parece tentar fazer é aumentar a perda com uma eventual saída da Argentina: o acordo com a União Europeia prevê redução dos impostos de importação de parte a parte, portanto reduziria o que o mundo vê hoje como um extremo protecionismo do bloco.
Conforme o Banco Mundial, apenas 12 países têm tarifas mais altas do que o Mercosul: Bangladesh, Benin, Camarões, Chade, Congo, Etiópia, Nepal, Paquistão, Senegal, Quênia, Togo e Venezuela. Além disso, com a eleição de Milei, o Brasil fica quase isolado - o Paraguai tem posição dúbia - na defesa dos mecanismos criados na década de 1990 - com a participação de um referente de Milei, Carlos Menem. O Uruguai já pressionava para poder fechar um acordo de livre comércio com a China.
Como se percebe, Lacalle Pou, que representa a direita convencional, nem imagina algo como cortar relações com o gigante asiático por "comunismo" - embora o país não seja uma democracia, tem estrutura de mercado na economia. Milei, que se identifica com a chamada "alt-right", ou a direita alternativa, que gosta de chocar e não modernizou conceitos, já ameaçou cortar relações diplomáticas com Pequim.
Embora tenha escassas chances de sucesso, dada a complexidade do acordo e o demorado ritual de aprovação final, a estratégia tem um cronograma: Lula fica na presidência rotativa do Mercosul em 7 de dezembro - apenas três dias antes da posse de Milei. Ao comentar a conversa com Ursula, afirmou que "ela ficou de tentar (...), lá na COP28 fazer uma reunião comigo e apresentar a resposta definitiva deles sobre as nossas demandas".