O governo de Javier Milei passa pelo seu primeiro teste de fogo nesta quarta-feira (20), quando grupos sociais realizam protesto contra medidas de ajuste econômico na Argentina. Os manifestantes dos movimentos sociais de esquerda Polo Operário e Movimento Socialista dos Trabalhadores marcham por algumas quadras até a Plaza de Mayo, em frente à Casa Rosada, sede da Presidência.
Um rigoroso protocolo anunciado pela ministra de Segurança, Patricia Bullrich, na semana passada, promete punir quem bloquear vias e autoriza a polícia a reprimir tais atos. Também foram anunciados cortes de benefícios sociais a quem for flagrado por câmeras de reconhecimento facial fechando vias nas marchas. Houve clima de tensão quando os agentes de segurança tentarem desobstruir as ruas, levando os manifestantes para a calçada.
O trajeto pelo centro de Buenos Aires foi acompanhado por membros da Polícia da Cidade, da Polícia Federal, da Polícia Federal Aeroportuária e da Gendarmeria, que tinham como ordem não permitir que os manifestantes bloqueassem as ruas e interrompessem totalmente o tráfego.
O grande aparato de segurança foi criticado pelos organizadores, que o consideraram uma tentativa de provocação.
— Isso me lembra a ditadura — declarou Eduardo Belliboni, líder do Polo Operário.
A data escolhida para a manifestação não é despropositada. Em 2001, em meio a uma efervescência social causada pela crise econômica do corralito — que confiscou o dinheiro nas contas bancárias — uma multidão marchou em 19 de dezembro até a Praça de Maio para pedir a cabeça do ministro da Economia, Domingo Cavallo. As marchas se seguiram pelos próximos dois dias e terminaram com o presidente Fernando De La Rúa fugindo da Casa Rosada em um helicóptero. O saldo final foi de 39 mortos e mais de 500 feridos.
— Vim em homenagem ao ocorrido em 20 de dezembro de 2001. Isso acontece todos os anos e acho que deve ser feito mesmo que este governo não queira e tome essas medidas de segurança — disse o médico Tomás Nachman, de 30 anos.
Protocolo de Segurança
No último dia 14, a ministra Patricia Bullrich divulgou um protocolo de segurança que busca impedir bloqueios de ruas, vias e pontes em manifestações na cidade de Buenos Aires, epicentro dos grandes protestos na Argentina.
Entre as medidas do protocolo estão:
- As quatro forças federais mais o serviço penitenciário federal vão intervir contra paralisações, piquetes e bloqueios, sejam parciais ou totais
- As forças podem intervir de acordo com os códigos processuais vigentes. Ela disse que "se houver um crime em flagrante, poderão intervir"
- Em caso de paralisações de rotas principais, não serão consideradas as alternativas
- As medidas serão tomadas até que o espaço de circulação seja liberado.
- Para levar a cabo estas medidas, as forças utilizarão a força mínima necessária e suficiente. Será classificado de acordo com a resistência.
- Os agressores e os veículos utilizados nas infrações serão identificados. Os veículos que não cumprirem as regras de trânsito serão apreendidos.
Também haverá punição a quem levar crianças para os protestos.
— Não vamos permitir que eles os usem como escudos — disse a ministra durante o anúncio.
Em outro trecho, ela afirmou que as organizações sociais devem pagar os custos das operações de segurança:
— Todos os custos ligados às operações de segurança serão faturados às organizações ou indivíduos responsáveis. O Estado não vai pagar pelo uso da força de segurança, as organizações que têm estatuto legal terão de pagar ou os indivíduos terão de suportar o custo das operações.
Esta quarta, a pasta de Bullrich reforçou as regras do protocolo e destacou que: estão proibidas as interrupções de vias, o uso de máscaras ou qualquer coisa que cubra o rosto, o uso de ferramentas com ou sem corte, não está permitida a presença de crianças e adolescentes.
Durante a reunião de gabinete de terça (19) com o presidente, Bullrich traçou seu plano de segurança e forçou que a ideia é "marcar força". "A ideia é tolerância zero: deter a primeira pessoa que tiver uma atitude violenta, fora da lei. É preciso deixar claro que não se pode fazer qualquer coisa. Há uma maioria de argentinos que quer viver em paz e não viver a lei da selva nas ruas", disse o governo. "Não é marketing, é uma batalha cultural".
Nas redes sociais, o Ministério Público da Defesa da Cidade de Buenos Aires divulgou um número de telefone ao qual os argentinos podem recorrer em caso de "violência institucional" durante as marchas.
Corte de benefícios sociais
Alinhado ao protocolo de Bullrich, na segunda-feira (18), a ministra de Capital Humano, Sandra Pettovello, prometeu retirar benefícios sociais de quem bloquear vias ou levar crianças. A ministra acusa as organizações sociais de extorsão a quem recebe ajuda do governo para ir aos protestos. Alguns benefícios, como o Potenciar Trabajo, são intermediados por algumas organizações, mas não é o caso dos auxílios mais acessados: Asignación Universal por Hijo (espécie de Bolsa Família argentino) e cartão alimentação.
— Queremos dar tranquilidade aos beneficiários dos planos sociais. Eles deveriam saber que ninguém pode forçá-los a protestar com a ameaça de cancelar o benefício. Por este motivo, suspenderemos o controle de presença fornecido pelas organizações sociais — afirmou. — Reiteramos: os únicos que não receberão ao auxílios serão os que vão às manifestações e bloqueiam as ruas. Como disse o presidente: "o que bloqueia não recebe" — disse.
Em suas redes, Milei divulgou um número de discagem direta em que os argentinos também podem realizar denúncias a supostas extorsões.
Entre os principais benefícios sociais na Argentina estão a AUH e o cartão alimentação. Ambos passaram por reajustes de valores na pacote de Caputo, com a AUH dobrando e o cartão alimentação recebendo um incremento de metade de seu valor atual. As duas únicas medidas do novo governo que visam conter o choque que será a inflação dos próximos meses diante da política de ajuste.