As vacinas contra o coronavírus ainda nem saíram dos tubos de ensaio, mas governos mundo afora já se articulam para garantir a compra dos primeiros lotes, gerando preocupação global sobre se haverá produto disponível para os 7,6 bilhões de habitantes do planeta. Quem serão os beneficiados tão logo a ciência alcance a fórmula da imunização? Quem ficará para o final da fila? Haverá colaboração entre países ricos e pobres? Ou ganharão aqueles que pagarem mais e se anteciparem aos outros?
Os desafios logísticos de distribuição da vacina rivalizam em complexidade com a sua descoberta. Baseados em limites de produção, experiências em pandemias anteriores, aspectos econômicos e disputas geopolíticas, pesquisadores traçam cenários preocupantes. Se o mundo fracassou em estabelecer um acordo de cooperação e solidariedade na luta contra a covid-19, que já matou quase 700 mil pessoas em oito meses, a disputa por vacina pode ser ainda mais profunda – e, por vezes, desleal.
Em março, a pandemia escancarou a dependência mundial de um ou dois fornecedores de equipamentos de proteção individuais (EPIs). Resultado: carregamentos de máscaras de proteção chinesas, que tinham como destino Itália e Espanha, foram retidos por ordem do governo da França; caixas com proteção facial, leiloados na pista de aeroportos; e polêmicas mal resolvidas como a de respiradores mecânicos, que deveriam ter chegado a Estados do nordeste brasileiro mas ficaram na alfândega de Miami, nos EUA.
John Foster Dulles, secretário de Estado norte-americano durante parte da Guerra Fria, dizia que países não têm amigos, mas interesses. Enquanto nos laboratórios cientistas buscam a poção mágica, nos gabinetes governamentais políticos e técnicos põem em prática estratégias de guerra, por meio de contratos com grandes grupos farmacêuticos e empresas de biotecnologia para garantir os primeiros lotes.
O governo dos EUA investiu pelo menos US$ 8 bilhões em sete pesquisas sobre vacinas contra o coronavírus – de Pfizer e BioNTech, Moderna, Sanfi e GSK, Universidade de Oxford com a empresa AstroZenica, Novavax, Jansen Research & Development e MSD/IAVI – na esperança que uma ou mais tenham êxito. Com Pfizer e BioNTech, por exemplo, a Casa Branca fechou um acordo para comprar todas as vacinas que produzirem em 2020. O preço: US$ 1,95 bilhão por 100 milhões de doses, após a aprovação da profilaxia pela Food and Drug Administration (FDA), a agência que regula alimentos e medicamentos, e por um segundo lote de 600 milhões no ano que vem. Com a francesa Sanofi SA e a britânica GSK, ou GlaxoSmithKline Plc, outro acordo prevê 100 milhões de doses por US$ 2,1 bilhões.
Operações semelhantes estão se multiplicando pelo mundo. O Reino Unido reservou 60 milhões de doses potenciais desenvolvidas pela Sanofi. A Comissão Europeia, em nome dos 27 países do bloco europeu, garantiu 300 milhões de imunizações junto à mesma gigante farmacêutica. Para as nações, antecipar-se colocando dinheiro na mesa é uma garantia de que conseguirão doses para suas populações. Para os laboratórios, assinar negócios com os governos lhes permite compartilhar riscos – afinal, não há certeza de que serão essas as vacinas que darão certo. Hoje, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), há 160 estudos de imunização à covid-19, mas apenas seis encontram-se na última etapa de testes, que antecede a aprovação para uso pela população.
A visão segundo a qual quem paga mais leva primeiro é criticada porque privilegia países desenvolvidos, normalmente sedes dos grandes laboratórios. Como ficarão os pobres e com grandes populações vulneráveis ao coronavírus, que não têm condições de desenvolver ou pagar pela vacina? Mestre em segurança internacional pela Georgetown University e professor de Relações Internacionais da ESPM-SP, Gunther Rudzit destaca que um dos únicos organismos internacionais capazes de gerir uma articulação por uma distribuição equitativa da vacina seria a OMS, mas a entidade é questionada por muitos governos pela forma lenta como lidou com a pandemia (supostamente leniente com a China). O anúncio do governo Donald Trump de que os EUA deixarão o órgão também fragilizou a entidade, com sede em Genebra.
– Trump quase conseguiu desmontar a ordem internacional liberal construída pelos EUA no fim da Segunda Guerra Mundial, baseada na ONU e seus diversos organismos, entre eles a OMS. O núcleo dessa ordem era a cooperação entre os países – pontua.
Rudzit lembra que, durante crises de saúde globais anteriores, como H1N1 e ebola, houve maior cooperação entre governos – no mínimo com troca de informações.
– À época, o governo americano enviou ajuda aos países do leste da África. A Libéria, por exemplo, tinha menos médicos do que o Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Trump inaugurou uma nova fase: pela primeira vez não se tem os EUA liderando uma iniciativa global contra uma crise e muito menos pela recuperação – opina.
O vácuo político aberto pelos norte-americanos pode ser ocupado por outros atores do sistema internacional. A China, onde o vírus surgiu, tem pelo menos uma vacina em fase 3 – desenvolvida pela biofarmacêutica Sinovac Biotech, testada no Brasil em parceria com o Instituto Butantan. Pequim afirmou em maio que, uma vez que tenha o produto, esse será considerado “bem público global” e sua composição será compartilhada. A Rússia, ainda que sob ceticismo internacional devido à falta de transparência de seus estudos, anunciou recentemente ter desenvolvido a vacina. A intenção seria começar a imunização em massa, no país, em outubro.
A frase do chefe do serviço de imprensa do Fundo Russo de Investimento Direto (RDIF), Kirill Dmitriev, que em 28 de julho comparou o suposto sucesso no desenvolvimento da vacina ao lançamento do Sputnik 1 pela antiga União Soviética, em 1957, dá ares de Guerra Fria à questão. À época, o mundo vivia a bipolaridade da disputa por hegemonia do planeta entre EUA e seus aliados e o bloco soviético. As áreas científica-tecnológica-espacial eram campos de batalha. Entre 1955 e 1975, as duas superpotências empreenderam uma corrida espacial, que ora colocava uma à frente, ora outra. Os norte-americanos enviaram moscas ao espaço, em 1947, e os soviéticos mandaram a cadela Laika, 10 anos depois. Em seguida, projetaram Sputnik 1, o primeiro satélite do mundo, respondido pelos EUA com o Explorer I. Em 1961, o cosmonauta russo Iuri Gagarin foi o primeiro homem a viajar pelo espaço e dizer que a Terra é azul. Em 1969, os norte-americanos chegaram à Lua, cereja do bolo da aventura.
Na pandemia de H1N1, em 2019, os países desenvolvidos tiveram acesso prioritário à vacina. É isso que estamos tentando evitar.
MARIÂNGELA SIMÃO
Diretora de Acesso a Vacinas e Medicamentos da OMS
Para muitos, a Guerra Fria do século 21 também envolve espionagem, com ação de hackers. Um dos argumentos do governo Trump para fechar o consulado chinês em Houston (Texas), em julho, foi de que os chineses estariam usando o local para roubar dados de pesquisas sobre vacina.
Na prática, há duas visões de mundo opostas e que sempre estiveram presentes nas relações internacionais: de um lado, aqueles que entendem que problemas globais devem ser resolvidos por meio da cooperação, e outros, nacionalistas, que defendem os interesses individuais dos Estados, em um ambiente competitivo e anárquico do sistema internacional.
O temor de que países mais ricos simplesmente comprem todas as primeiras doses, deixando o restante do mundo na escassez, mobilizou entidades. A Coalizão de Inovações em Preparação para Epidemia (Cepi), órgão público-privado criado em 2017 em resposta ao fracasso inicial da resposta internacional à crise do ebola no continente africano, investiu S$ 500 milhões em nove empresas. Em troca, exigiu que compartilhem tecnologias para a produção maciça e rápida. A OMS, em parceria com a Aliança Global para Vacinas e Imunização (Gavi), discute o chamado Acordo Global para Garantir uma Alocação Justa de Produtos da Covid-19.
O mecanismo, a ser apresentado no final deste mês de agosto, prevê que grupos recebam de forma prioritária a vacina. Isso incluiria idosos e adultos com problemas de saúde e profissionais da área. Juntos, esses três segmentos representam cerca de 20% da população mundial, e a meta é de que 2 bilhões de doses sejam produzidas até o final de 2021. O projeto envolve US$ 18,1 bilhões, dos quais US$ 11 bilhões são necessários imediatamente. Como não haverá produtos para todos num primeiro momento, uma das estratégias da OMS é a de que, no novo acordo, fique estabelecido que todos os países receberiam um volume suficiente para vacinar 3% de sua população. Com isso, todos os profissionais de saúde e trabalhadores sociais em todos os países seriam atendidos.
O mecanismo divide as nações em dois níveis de países. Um deles é composto por nações de renda baixa e que, portanto, serão apoiados com doações e envio de remédios e vacina, e outro, composto por países ricos e de renda média, entre eles Brasil, Rússia, Argentina e México. Esse segundo grupo também terá o direito de atender a 20% de suas populações com a vacina. Mas serão obrigados a pagar e a depositar, já de entrada, 10% dos custos. Das 2 bilhões de doses que o projeto planeja garantir ao mundo ao final de 2021, metade iria para esse grupo de países menos privilegiados.
Donald Trump inaugurou uma nova fase: pela primeira vez não se tem os EUA liderando uma iniciativa global contra uma crise.
GUNTHER RUDZIT
Professor de Relações Internacionais da ESPM-SP
– A chance de se acessar a vacina é maior com um mecanismo global do que com acordos individuais – defende a médica Mariângela Simão, diretora para Acesso a Medicamentos, Vacinas e Produtos Farmacêuticos da OMS.
Uma das maiores especialistas brasileiras em políticas públicas de saúde e que lidera, na organização, a batalha contra o coronavírus, Mariângela lembra que, durante a pandemia de H1N1, em 2009, os países desenvolvidos tiveram acesso prioritário à vacina.
– É isso que estamos tentando evitar agora – pontua.
Segundo ela, no desenvolvimento de vacinas, o sistema internacional não está dividido entre nações ricas e pobres. Há países em desenvolvimento, como a Índia, com grande capacidade de produção de vacinas. E nações desenvolvidas, com mercados pequenos, preocupadas em ficar à mercê da lei da oferta e da procura.
Coordenador da Campanha de Acesso a Medicamentos da organização Médicos Sem Fronteiras, Felipe Carvalho vê com preocupação a corrida geopolítica em torno da vacina:
– Os EUA têm poder de fazer compra sob risco. Estão comprando vacinas, mesmo sem saber se vai dar certo. Ao mesmo tempo, criam uma lógica muito ruim para a saúde global, a do quem paga mais leva primeiro, do cada um por si.
Carvalho alerta que, diante de desafios mundiais, como a pandemia, não basta os países resolverem seus problemas internamente. No caso do coronavírus, só se chegará ao fim da crise quando toda a população mundial estiver imunizada.
– É a lógica oposta à de Trump. Se estamos em uma pandemia que afeta a humanidade, a gente precisa sair dela junto, porque, senão, problema não desaparece. Há comentaristas que falam que o que está ocorrendo é o Velho Oeste da vacina. Quem chega antes, leva. E os outros ficam sem – afirma.
Mariângela concorda e diz que ninguém vai estar seguro enquanto, em algum lugar, houver surtos.
– Se você tentar garantir vacina só para a sua população, não está considerando que essa é uma pandemia, para a qual não há soluções nacionais. As soluções têm de ser globais. Se algum país estiver com surto, seu país não estará protegido, mesmo que a maior parte da população esteja vacinada – explica.
Brasil aposta em parcerias
Referência em produção de vacinas, o Brasil busca acordos com governos e empresas, com transferência de tecnologia, contra o coronavírus. Nesse momento, estão sendo testadas no país quatro vacinas: a de Oxford/AstraZeneca, que será produzida na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), por meio de acordo com o governo federal, a chinesa Sinovac Biotech, batizada de CoronaVac, em parceria com o Instituto Butantan e o governo do Estado de São Paulo, e as BNT162b1 e BNT16b2, de BioNTech e Pfizer. Na segunda-feira, o Ministério da Saúde anunciou que estuda uma medida provisória (MP) para viabilizar 100 milhões de doses da vacina de Oxford/AstraZeneca, por meio de crédito orçamentário extraordinário de R$ 1,9 bilhão, modalidade feita para que o governo possa atender a despesas urgentes e imprevisíveis, como em caso de guerra ou calamidade pública.
Há comentaristas que falam que o que está ocorrendo é o Velho Oeste da vacina. Quem chega antes, leva.
FELIPE CARVALHO
Coordenador da Campanha de Acesso Medicamentos da Médicos Sem Fronteiras
Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBim), Isabella Ballalai explica que a transferência de tecnologia é uma estratégia adotada pelo Brasil há décadas. Foi por meio dessa medida que o país passou a desenvolver vacinas contra sarampo, caxumba, rubéola e febre amarela.
– Depender do mercado internacional é um risco para o Brasil, um país com dimensões continentais – diz Isabella. – Por isso, parcerias com transferência de tecnologia de outros países são uma estratégia importante.
Quando o país inclui uma vacina no calendário e faz a transferência com o fabricante, inicialmente compra o produto e vai transferindo tecnologia até que seja capaz de produzi-lo. É o que provavelmente ocorrerá com as vacinas que estão sendo testadas no país.
– Para o Brasil, é uma estratégia que faz sentido, porque o país tem produtores de vacina reconhecidos internacionalmente – diz Carvalho, da Médicos Sem Fronteiras. – A Fiocruz é a maior produtora de vacina da febre amarela, usada em vários países.
Há mais perguntas do que respostas sobre vacina. Será apenas uma ou mais doses? Quanto irá custar? Alguns laboratórios estimam que a aplicação sairá entre US$ 40 e US$ 60. Para democratizar o acesso, a Médicos Sem Fronteiras defende que governos adotem a estratégia da licença compulsória, chamada popularmente de “quebra de patente”. Duas propostas apresentadas na Câmara dos Deputados, uma do deputado Alexandre Padilha (PT-SP) e outra da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), preveem esse mecanismo de forma automática em casos de declaração de emergência de saúde pública pela OMS ou por autoridade nacional competente para toda e qualquer tecnologia de enfrentamento à covid-19 que se mostre efetiva. Países como Israel, Alemanha, Canadá e China também debatem mudanças nas legislações.
A iniciativa, obviamente, enfrenta a oposição da indústria. Em 2007, o Brasil, durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva, quebrou a patente do medicamento Efavirenz, produzido pelo laboratório norte-americano Merck Sharp&Dohme, para tratamento do HIV. Dois meses depois, recebeu o primeiro carregamento do genérico procedente da Índia. A dose do produto original custava US$ 15,90, e a do genérico importado, R$ 0,43. Segundo estudos, o Brasil poupou cerca de US$ 1,2 bilhão.
Para o Brasil, depender do mercado internacional é um risco. Por isso, as parcerias com a transferência de tecnologia de outros países (que o brasil tem estabelecido) são uma estratégia importante.
ISABELLA BALLALAI
Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações
Só a ameaça de quebrar patente já fez o governo brasileiro induzir a baixa de preços de remédios. Mariângela, que trabalhou como diretora do Programa Nacional DST/aids à época, entretanto, pondera que o caso do coronavírus é diferente:
– A licença compulsória pressupõe que alguém tenha capacidade de produzir e fornecer (um medicamento ou vacina). Em 2007, o Brasil tinha alternativas de fornecimento, que eram vários produtores indianos, genéricos, e o país passou a produzir três anos depois. Mas, agora, ninguém tem, no primeiro e no segundo anos, capacidade de produção alternativa suficiente para dar conta da necessidade global por vacina.
Antes, em 1999, no governo Fernando Henrique Cardoso, foi criada a lei que introduziu medicamentos genéricos no Brasil. A legislação autorizava o comércio, por qualquer laboratório, de remédios cujas patentes estivessem expiradas. Nas últimas duas décadas, a Lei dos Genéricos mudou, a indústria farmacêutica e esses produtos se tornaram o eixo central da ampliação do consumo de medicamentos no país.
Hoje, segundo o Ministério da Saúde, o país distribui 19 tipos de vacinas diferentes pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Esse conhecimento será utilizado no caso da imunização contra covid-19. A pasta, entretanto, entende que, sem conhecer detalhes das vacinas, o debate logístico é prematuro. O país tem um dos melhores programas de vacinação em massa do mundo. Apenas da gripe são distribuídas 60 milhões de doses por ano.
– A médio prazo, o Brasil provavelmente vai produzir vacina contra o coronavírus para que tenhamos soberania, como temos em outras vacinas de outros vírus, como febre amarela, tríplice viral, da dengue – explica Alexandre Schwartzbold, professor de Infectologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Essa fase (a fase 3 dos testes das vacinas) nunca andou tão rápido. E isso se deve à premência, estão morrendo pessoas, mas também ao mercado, à competição.
ALEXANDRE SCWARTZBOLD
Professor de Infectologia da UFSM
Isso pode significar, inclusive, uma oportunidade para o Brasil exportar a vacina do coronavírus na América do Sul. Conforme o professor, nenhum outro país da região tem capacidade semelhante para produzir a substância em larga escala. A nação tem o maior parque produtivo de vacinas do Hemisfério Sul.
– Há três situações em que o Brasil é exemplar no mundo: programa HIV/aids, transplante e vacinação. Brasil, China e EUA são os países com maior cobertura vacinal – explica o especialista.
Schwartzbold pontua que, a partir dos anos 2000, o domínio da produção de vacinas, graças à biotecnologia e ao DNA, avançou muito mundialmente. Mesmo assim, embora mais fácil de ser identificado, foram necessários meses para se criar e distribuir a imunização contra H1N1. Por outro lado, salienta, em relação ao coronavírus, em menos de um mês a China conseguiu sequenciar seu DNA e compartilhar a informação com cientistas internacionais:
– Esses laboratórios que estão na fase 3 da vacina provavelmente já começaram os primeiros testes logo depois que a China identificou o vírus. Essa fase de testes nunca andou tão rápido. E isso se deve à premência, estão morrendo pessoas, mas também ao mercado, à competição – explica o pesquisador.
Professora de Infectologia da Universidade de Caxias do Sul (UCS) e diretora da Sociedade Brasileira de Infectologia, Lessandra Michelin prevê que até dezembro um laboratório deverá receber a liberação para fabricação da vacina. Na comparação com a pandemia de 2009, ela lembra, cinco empresas produziram e distribuíram inicialmente a vacina.
– A gente já tinha know how com o influenza. É diferente de agora, em que a gente partiu do zero. À época, a vacina começou a ser fabricada em outubro e aplicada em janeiro de 2010 no Hemisfério Norte e só em abril no Brasil. Agora, imagino que será algo nessa linha. As pesquisas estão correndo porque o Hemisfério Norte vai entrar no inverno a partir de novembro, e os países precisam ter essa vacina na mão nesse período – avalia.
Outra discussão é a eficácia da vacina para diferentes grupos humanos, algo que, segundo o professor de infectologia da UFSM, não é possível definir com total certeza na atual fase das pesquisas. Estima-se que diferentes laboratórios podem ter a fórmula com percentuais de maior ou menor eficácia para crianças, adultos, idosos e gestantes, por exemplo.
– Nenhuma empresa vai custear uma vacina para o mundo em larga escala se não tiver eficácia de no mínimo 90%. Ainda que fosse 60% eficaz, para o mundo econômico, a questão custo/efetividade não seria suficiente para botar no mercado – explica.
À época da pandemia do influenza, a vacina começou a ser fabricada em outubro de 2009 e aplicada em janeiro de 2010 no Hemisfério Norte e só em abril no Brasil. Agora, imagino que será algo nessa linha.
LESSANDRA MICHELIN
Professora de Infectologia da Universidade de Caxias do Sul (UCS) e diretora da Sociedade Brasileira de Infectologia
Schwartzbold lembra que vacinas contra o HIV se mostraram 30% eficazes. Na África, onde a doença é endêmica, esse percentual atingira grande parte da população. Mas, do ponto de vista econômico, não se sustenta, uma vez que não haveria mercado, segundo ele, em nações ricas – e com menor índice de aids.
Além das doses propriamente ditas, há insumos como seringas, agulhas e a necessidade de cadeia de refrigeração para o transporte de lotes, realizado normalmente a baixíssimas temperaturas.
– A vacina ideal deveria ser fácil de administrar, ter poucas doses e poder ser transportada no calor – imagina Carvalho, da Médicos Sem Fronteiras. – Só que as vacinas são sempre pensadas em contexto de país rico. Se você tem eletricidade e refrigeração, ótimo, mas como levá-las a um vilarejo no meio do Congo, de barco?
Nesse cenário de discussão entre a eficácia da vacina, os custos e quem pagará a conta, há quem lembre do gesto do cientista polonês Albert Sabin, o inventor da vacina oral contra a poliomielite, nos anos 1950 e 1960. Não apenas por sua invenção, que eliminou a doença em quase todo o mundo, mas pelo gesto histórico de abrir mão do patrimônio intelectual da descoberta em nome de seu uso globalmente.
– Ele doou a vacina para todos os laboratórios. Quem dera alguém fizesse isso hoje. Era um pesquisador com outra visão: a de acabar com a pólio. A gente precisa dessa mesma visão hoje: a de acabar com a covid – finaliza Isabella.