O parlamento britânico rejeitou na madrugada desta terça-feira (10), no horário do Reino Unido, pela segunda vez, a proposta do primeiro-ministro Boris Johnson de convocar eleições antecipadas para sair do bloqueio do Brexit.
A moção do governo para organizar eleições em meados de outubro exigia o apoio de dois terços da Câmara dos Comuns, que tem 650 cadeiras, mas obteve apenas 293 votos. Com todos os deputados presentes, seriam necessários pelo menos 434 votos.
Na quarta-feira passada, os deputados já haviam rejeitado uma primeira proposta neste sentido. Mais cedo, o parlamento aprovou uma moção que pede ao governo que publique suas avaliações do impacto de um eventual Brexit sem acordo.
Aprovada por 311 votos contra 302, a medida também pede ao Executivo de Johnson que publique comunicações privadas, incluindo mensagens de texto, entre os funcionários do governo sobre seus planos de suspensão do parlamento.
— Não só se negaram a eleger um caminho a seguir, mas agora negaram duas vezes ao povo britânico o direito a se expressar em uma eleição — afirmou Johnson. Após meses pedindo eleições, a oposição agora vê o risco de uma "armadilha" do premiê, ou de que os eleitores pró-Brexit reforcem o Partido Conservador para não ter que pedir um novo adiamento para sair da União Europeia.
— Apoiaremos eleições quando estiver claro que evitaremos sair abruptamente da UE — afirmou o líder trabalhista e da oposição, Jeremy Corbyn.
Johnson chegou ao poder em julho, prometendo que tiraria o Reino Unido do bloco em 31 de outubro a qualquer preço. Diante do temor de um Brexit caótico sem acordo, os legisladores aprovaram em caráter de urgência na semana passada uma lei que o obriga a pedir uma nova prorrogação se até 19 de outubro não alcançar um acordo aceitável com Bruxelas ou obter aval do Parlamento para uma saída brusca. O texto entrou em vigor nesta segunda-feira com a aprovação formal da rainha Elizabeth II.
Entenda o que está acontecendo no Reino Unido
Aliança rebelde contraria premiê, apesar de ameaça de expulsão
Com os parlamentares britânicos de volta do recesso de verão, esta foi a primeira sessão da Câmara dos Comuns desde que Johnson assumiu o cargo de primeiro-ministro, em julho. E foi uma estreia traumática para o novo líder: ele viu 21 correligionários do Partido Conservador apoiarem a moção apresentada pela oposição trabalhista, desafiando as ameaças de expulsão da legenda.
A chamada aliança rebelde incluiu figurões da legenda, como Philip Hammond, ex-ministro da Economia; e Sir Nicholas Soames, neto do ex-chanceler Winston Churchill. O grupo reclama que Johnson não apresentou planos factíveis para evitar uma ruptura radical com a UE, que teria consequências desastrosas para a economia do país.
Parlamento tenta bloquear Brexit sem acordo às vésperas de suspensão
O resultado da votação desta terça-feira dá aos adversários de Johnson uma margem estreita para influenciar os rumos do Brexit, já que o Parlamento tem poucas sessões agendadas até que comece sua suspensão por cinco semanas. Anunciada na semana passada, a interrupção alongada dos trabalhos do legislativo foi interpretada como uma estratégia do premiê Johnson para cercear a voz da oposição no período que antecede a saída do bloco regional.
Os parlamentares deverão votar nesta quarta-feira (4) um projeto de lei que busca adiar o divórcio com a UE pelo menos até janeiro de 2021, caso o governo fracasse em obter um novo acordo durante uma cúpula com líderes europeus em 17 de outubro. Ainda que seja aprovado na Câmara dos Comuns, o projeto precisará tramitar na Câmara dos Lordes e ser assinado pela rainha Elizabeth II para ter validade.
Johnson perde maioria na Câmara e propõe eleições adiantadas
A votação tumultuada de terça-feira também viu o governo perder a estreita maioria que tinha na Câmara dos Comuns. Enquanto Johnson discursava, o parlamentar conservador Phillip Lee cruzou a sala e se juntou à fileira dos Liberais Democratas, partido centrista que integra a oposição em sua carta de ruptura, Lee lamentou que seu antigo partido havia sido contaminado pela doença do populismo.
Assim, a coalizão de Johnson não tem mais os votos necessários para aprovar projetos no Parlamento. Após ser derrotado, o premiê declarou que iria propor a realização de eleições gerais para que o país decida quem deverá seguir conduzindo as negociações do Brexit: ele ou o líder da oposição, Jeremy Corbyn. Especula-se que a votação possa ocorrer já em 15 de outubro, mas, para que um novo pleito seja convocado, pelo menos dois terços dos parlamentares precisam aprovar a dissolução da atual legislatura.
Fronteira entre as Irlandas está no centro do impasse
O principal impasse sobre os rumos do Brexit envolve o futuro da fronteira que separa a Irlanda do Norte - que integra o Reino Unido - e a República da Irlanda - que seguirá sendo membro da UE. Uma saída litigiosa levaria ao restabelecimento de controles alfandegários na região, ignorando a vontade dos habitantes dos dois lados da fronteira e contrariando o Acordo da Sexta-Feira Santa, de 1998, que pôs fim a três décadas de conflito sangrento entre nacionalistas irlandeses e unionistas na Irlanda do Norte.
Para evitar a imposição de uma fronteira dura na região, as autoridades de Bruxelas propõem que o Reino Unido siga sendo parte do sistema alfandegário da UE após o Brexit até que novas regras de comércio sejam estabelecidas. Johnson se opõe a esta exigência dizendo que um divórcio litigioso é preferível à manutenção das atuais regras de comércio com o bloco regional. Até agora, porém, Johnson não apresentou alternativas factíveis para resolver o dilema, pondo em risco um dos pilares da paz na Irlanda do Norte.