A instalação de um moderno plantão policial em Porto Alegre para atender casos de violência envolvendo mulheres, crianças, adolescentes e idosos, além de situações de intolerância, não se concretizou por falta de dinheiro e entraves burocráticos.
O imóvel, que fica na Rua Freitas e Castro, a poucos metros do Palácio da Polícia, está disponível para uso da corporação desde 2019, cedido pela prefeitura de Porto Alegre. Mas há anos, o local reúne apenas um amontoado de objetos apreendidos em investigações e de papéis — cópias de inquéritos e de ocorrências, na maioria — apodrecidos pela ação de chuva e de fezes, inclusive humanas.
A corporação tentou em 2020 e 2021 valores para reforma junto a órgãos externos, mas sem sucesso. O impasse atual — nem tão recente, pois está formalizado desde 2022 — para que alguém possa ingressar no prédio, onde seria instalada a Delegacia de Pronto Atendimento do Departamento de Proteção a Grupos Vulneráveis (DPGV), é justamente a situação do material depositado no local, classificado pela Vigilância Sanitária como contaminado. Estão lá arquivos da Divisão de Proteção à Mulher, do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa e do Departamento (DHPP) de Polícia Metropolitana.
Depois de uma vistoria, em dezembro de 2022, a equipe da Vigilância Sanitária descreveu:
"Ao entrarmos nos deparamos com acúmulo de papéis, caixas, mesas e cadeiras dentre outros entulhos misturados a documentos úmidos e sujos, maior parte sem condições de uso ou visualização. Provavelmente há presença de fauna sinantrópica embaixo dos entulhos, fezes humanas e de ratos devido ao forte odor existente no local."
A verificação da Vigilância Sanitária foi solicitada quando policiais perceberam que o local estava sendo invadido por moradores de rua. Até uma barraca chegou a ser montada no pátio. A descoberta do arrombamento ocorreu em setembro de 2022. Duas ocorrências foram registradas. O relato que consta de uma delas é:
"Dentro do prédio a situação é de cena de guerra, tudo revirado, desorganizado, fezes por todo local, destruição a cada metro do prédio, armários violados, inquéritos espalhados, parcialmente destruídos, outros completamente inutilizados. E no chão apreensões espalhadas, entre elas, facas de todo o tamanho, sendo extremamente atrativo à criminalidade local."
Desde então, o prédio segue do mesmo jeito. Ofícios têm sido enviados de um lado para outro entre órgãos da Polícia Civil, sem solução. Há um ano, o diretor do DPGV, delegado Christian Nedel, assinou despacho determinando a limpeza total. O serviço, porém, segue sem ser realizado. Apesar da devassa feita pelos invasores do prédio no material lá depositado, ainda não há decisão sobre se tudo pode ser jogado fora.
Enquanto um novo setor de atendimento do DPGV não é instalado, o plantão da 1ª Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (1ª Deam), situado junto ao Palácio da Polícia, sofre com carências estruturais e de pessoal. No início de abril, o Grupo de Investigação da RBS (GDI) revelou que vítimas desistem de registrar ocorrência em função da demora no atendimento, um reflexo de efetivo reduzido.
No local, não existe banheiro com acessibilidade para mulheres vítimas de violência que buscam ajuda. A cela só tem espaço para um detido. Também costuma faltar água para as vítimas beberem em função de ausência de bebedouros. Depois das revelações do GDI, a chefia da Polícia Civil anunciou uma série de medidas, como o reforço de pessoal nas equipes plantonistas.
Outra medida, que foi anunciada para ser efetivada a partir de maio do ano passado e até hoje não saiu do papel, é a instalação da 2ª Deam, na Zona Norte. O novo órgão ajudaria a desafogar os atendimentos na 1ª Deam. A expectativa é que seja aberta "entre junho e julho", segundo Sandro Caron, secretário da Segurança Pública.
O GDI questionou a polícia e a secretaria sobre o histórico de entraves envolvendo o imóvel que abrigaria a Delegacia de Pronto Atendimento do Departamento de Proteção a Grupos Vulneráveis. Na resposta (leia abaixo), não foram informadas quais medidas foram adotadas a partir de 2022 para tentar viabilizar a instalação nem como está o andamento para a retirada do material contaminado depositado no prédio.
Contraponto
Nota enviada pela Secretaria da Segurança Pública:
A Polícia Civil já conta, desde 2018, com um Departamento de Proteção à Grupos Vulneráveis (DPGV), que coordena, por meio da Divisão de Proteção e Atendimento à Mulher (Dipam), a atuação de 23 DEAMs espalhadas pelo Estado. Também compõe o DPVG a Divisão Especial da Criança e do Adolescente, com três delegacias na Capital e outras 13 fora de Porto Alegre, bem como a Delegacia Polícia de Proteção ao Idoso e a Delegacia de Polícia de Combate à Intolerância.
Sobre o projeto de uma delegacia na Rua Prof. Freitas e Castro, a Polícia Civil confirma que o prédio foi cedido em 2019 e que o projeto de engenharia para sua reforma foi realizado. Porém, duas possibilidades de obtenção de recursos para efetuar a obra por meio de parcerias com instituições do Judiciário, ocorridas em 2020 e 2021, não se concretizaram. A instituição segue em busca de recursos para realizá-la.
Independentemente desse projeto, a Polícia Civil e a Secretaria da Segurança Pública (SSP) trabalham para implantação de uma segunda DEAM em Porto Alegre nos próximos meses.
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