Problemas de estrutura no prédio do plantão da 1ª Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (1ª Deam) de Porto Alegre são tão antigos que é possível dizer que existem desde que o serviço foi reinaugurado, em 2021.
Na semana passada, o Grupo de Investigação da RBS (GDI) mostrou que, além de carências na edificação, a delegacia sofre com pouco efetivo, o que faz com que vítimas desistam de registrar ocorrência pela demora, e até falta de água para vítimas beberem. A chefia da Polícia Civil reagiu se dizendo surpresa com as revelações.
Em relação a problemas estruturais, o chefe da corporação, delegado Fernando Sodré, disse que as deficiências no prédio do Palácio da Polícia, onde funciona a 1ª Deam, são históricas. De fato, o GDI verificou que o andamento de pedidos de melhorias feitos pela Delegacia da Mulher mostram isso.
Um exemplo: a cela disponível só pode receber um preso — já teve dias com mais de 10 detidos levados para flagrantes no local. O procedimento com pedido de solução circula em instâncias administrativas da Polícia Civil há mais de 600 dias. A busca pela instalação de um banheiro com acessibilidade começou em 2021, também sem resposta ainda.
O GDI apurou que para o caso do banheiro, cobrado também em inquérito civil da Promotoria de Direitos Humanos do Ministério Público (MP), a resposta já existe: é impossível a criação de acessibilidade no sanitário do atual prédio do plantão. Desta forma, uma vítima cadeirante que busque atendimento no plantão terá de sair pela rua Freitas e Castro e dar meia-volta no prédio do Palácio da Polícia, passando pela Avenida João Pessoa, para usar o banheiro da 2ª Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento, situada na Avenida Ipiranga, ao lado do Departamento Médico Legal. São cerca de 300 metros de distância do plantão da 1ª Deam, unidade criada para ser acolhedora para mulheres vítimas de violência doméstica e familiar.
Já a rampa de acessibilidade instalada na entrada do plantão segue precisando reparos. A barra de proteção está solta. O pedido de conserto já tem 116 dias.
Mas a solução então seria mudança de prédio? Sim, e isso foi pensado ainda em 2019, quando a polícia negociou com a prefeitura e ganhou do então prefeito Nelson Marchezan a cessão por 20 anos de um prédio situado também na Rua Freitas e Castro, número 850. A ideia era instalar no local a Delegacia de Pronto Atendimento do Departamento Estadual de Proteção a Grupos Vulneráveis, ou seja, seriam atendidos casos de urgência envolvendo não só mulheres, mas também crianças e adolescentes, idosos e pessoas vítimas de intolerância. O GDI apurou que apenas um dos processos administrativos relacionados à ocupação deste prédio tem 1.010 dias de tramitação e segue em aberto.
Na sexta-feira (5), a Associação dos Delegados da Polícia Civil (Asdep) do RS emitiu nota afirmando que a carência de pessoal e a estrutura inadequada do plantão da 1ª Deam são de "conhecimento das sucessivas administrações superiores da Polícia Civil" e que o desconhecimento desta situação "não pode ser alegado". Foi uma reação às falas do chefe de polícia se dizendo surpreso com os problemas. A Asdep também destacou o trabalho das delegadas da Deam.
— Há uma série de pedidos feitos pela Deam sem a devida resposta ou com retorno negativo. O que a chefia fez agora foi ameaçar dizendo que vai investigar todos até descobrir quem passou informações sobre os problemas à imprensa. É nisso que vão gastar energia? — questionou o delegado Guilherme Wondracek, presidente da Asdep.
Sobre a perda de pessoal que fez com que as equipes com cinco plantonistas, incrementadas em 2023 já na gestão de Sodré, voltassem a ter quatro agentes, ficando com três ou até dois em casos de férias e afastamentos, Wondracek afirmou:
— Além de quatro exonerações de policiais que saíram da corporação em busca de melhores condições, dois agentes que eram chefes de plantões foram requisitados por instâncias superiores. Um foi lotado da Secretaria da Segurança Pública e outro, na Divisão de Comunicação Social da polícia. Um terceiro, que havia sido dado à Deam como reforço, fez apenas três plantões e foi preso pela corregedoria por tráfico de drogas. Ou seja, quando foi para a Deam, ele já estava sob investigação, prestes a ser preso. Esse é o critério de reforço e prioridade da chefia com a Delegacia da Mulher. Todos as exonerações passam pela chefia. Como não sabem que está faltando gente?
Sobre falta de papel higiênico, Wondracek contou que houve pedido da Deam diretamente para instâncias superiores.
— Inclusive, no pedido tiveram que explicar por qual motivo uma delegacia para mulheres precisa de mais papel higiênico do que as demais — disse Wondracek.
Também foram solicitados bebedouros. O GDI apurou que o pedido foi feito em outubro do ano passado e a resposta, dada em fevereiro pelo departamento responsável, foi de que não havia dinheiro para o utensílio. Desta forma, as mulheres que frequentam o plantão da Deam só têm água mineral para beber quando os policiais conseguem comprar.
Após a veiculação da reportagem do GDI na quarta-feira (3), o deputado estadual Leonel Radde (PT) visitou a 1ª Deam e registrou imagens (na delegacia, não no plantão) que mostram problemas na rede elétrica, no teto e persianas quebradas — como a fiação não permite instalação de ar-condicionado, as janelas ficam abertas e, no último temporal, as persianas quebraram. Também há um setor em que o teto está escorado em barras de ferro. O motivo: a falta de uma viga. O deputado fez pedidos de informação sobre a situação na Deam e no prédio do Palácio da Polícia.
A deputada estadual Nadine Anflor (PSDB), ex-chefe de Polícia e que atuou por sete anos na Delegacia da Mulher, divulgou um vídeo de apoio à delegada Cristiane Ramos, titular da 1ª Deam, e pedindo à sociedade que a delegacia seja "abraçada".
— É uma delegacia onde se atende a família como um todo, nunca foi fácil trabalhar lá e, por isso, me solidarizo com todos que trabalham lá. Não é um problema da delegada Cristiane, é de todos nós. Temos que abraçar e defender a Deam, unir esforços para transformar aquele espaço que não comporta mais o atendimento a Deam. Já em 2019 começamos essa busca de um lugar melhor e tivemos a parceria da prefeitura.
Contraponto
A Polícia Civil está verificando os processos citados e ficou de dar retorno.
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