O esquema que investiga fraudes contra o Farmácia Popular é fomentado por um comércio de compra e venda de CNPJs de drogarias fechadas, mas que seguem ativas no cadastro do Ministério da Saúde. Os golpistas chegam a pagar R$ 100 mil pelo registro de uma farmácia que não funciona mais, mas que segue incluída no programa. O GDI localizou anúncios em um site. Depois, entrou em contato com o vendedor.
— E esse valor aí, R$ 100 mil, é o preço final? ou dá pra baixar? — indagou o repórter.
— Dá uma choradinha né, cara? Não vai fugir muito disso não — respondeu o vendedor, do Paraná.
Outro homem, que usa celular com prefixo de Goiás, também publicou anúncio para comprar um CNPJ. Em conversa com a reportagem, que se fez passar por interessada, ele propôs "alugar" o CNPJ de uma farmácia credenciada. O dono da inscrição que fornecer pra ele usuário e senha para acesso ao sistema receberá 40% de comissão sobre o total de lançamentos fictícios de medicamentos. Para isso, o golpista diz conseguir dados de pessoas de qualquer cidade ou Estado.
— Sim, o que nós percebemos é que provavelmente deve ter também venda de banco de dados, de CPFs. Mas também fica claro que esse sistema criado pelo Ministério da Saúde é bastante frágil — explica a procuradora da República Sônia Nische, de Caxias do Sul.
A reportagem mostrou a ela a troca de mensagens com o fraudador, que na hora da entrevista, estava online no WhatsApp.
— Encaro isso com muita preocupação. Porque esse desvio de verbas públicas do programa Farmácia Popular, além do dinheiro que vai para os fraudadores, compromete todo o programa — opinou a procuradora, que investiga 300 denúncias de fraude envolvendo 50 farmácias em todo o Brasil, a partir de operação realizada pela Polícia Federal, em setembro passado.
Coincidentemente, uma das denúncias apuradas pela procuradora envolve a Farmácia Mil Drogas, de Brasília, investigada pelo GDI.
O esquema das farmácias de papel pode explicar o resultado de uma auditoria da Controladoria-Geral da União, que descobriu um rombo bilionário no programa. Os investigadores da CGU cruzaram registros de liberação de medicamentos com as notas fiscais de compra em 31 mil farmácias credenciadas no Brasil.
Entre 2015 e 2020, identificaram uma diferença de R$ 2,6 bilhões de reais em liberações de medicamentos que não tinham comprovação fiscal, o equivalente a 17% do total gasto com o programa no período. Uma das hipóteses, segundo o ministro da controladoria Vinícius Marques de Carvalho, é que essa quantidade de remédios e muitas das farmácias nunca tenham existido.
— Nesse caso específico, o que nós identificamos foi a existência de 362 milhões de registros de vendas de medicamentos ou de entregas de medicamentos à população sem a devida comprovação em termos de notas fiscais — disse o ministro.
Por amostragem, os auditores da CGU estiveram em 127 endereços de farmácias do país: 48 não foram localizados e 51 sequer apresentaram defesa. No Mato Grosso, das 46 farmácias visitadas, 26 não foram encontradas. No Tribunal de Contas da União, 302 decisões dos últimos cinco anos tentam cobrar R$ 107 milhões de reais em desvios. Relatório obtido pelo GDI cita que, no Rio Grande do Sul, 18 farmácias foram condenadas pelo TCU a devolver R$ 5,6 milhões.
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