O prefeito de São Leopoldo, Ary Vanazzi (PT), é investigado pela Polícia Federal (PF) na Operação Septicemia, que verifica suspeitas de fraudes em processos licitatórios a fim de beneficiar a Organização Social (OS) IBSaúde. Conforme o Grupo de Investigação da RBS (GDI) apurou, a investigação aponta indícios de que o prefeito e o vereador petista Marcel Frison (que foi secretário municipal) teriam recebido valores do instituto para a manutenção do contrato na Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) Scharlau.
Em função do foro privilegiado de Vanazzi e do suposto desvio envolver recursos federais, o caso tramita no Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Em 7 de dezembro, na Operação Septicemia, agentes da PF fizeram buscas na casa e no gabinete do prefeito.
Foi o contrato do IBSaúde para administrar a UPA Scharlau que originou a investigação da Operação Autoclave, deflagrada pela Polícia Federal em 2019. A Septicemia é um desdobramento do que foi apurado com as apreensões feitas naquele ano. A apuração, que tem apoio da Controladoria-Geral da União (CGU), indica que Vanazzi teria assinado aditivos contratuais de acréscimos e prorrogações do contrato sem que a necessidade para isso tenha sido plenamente justificada.
O inquérito destaca "forte ligação" entre o principal investigado nas operações, José Eri Osório de Medeiros, presidente do IBSaúde, e pessoas ligadas ao prefeito. O médico Luiz Antônio de Oliveira, apontado como braço direito de Medeiros, também estaria ligado a articulações para supostos pagamentos a agentes públicos.
Está registrado na investigação que, em 2016, ano anterior à contratação sob suspeita, a campanha de Vanazzi para a prefeitura de São Leopoldo teria recebido doação de R$ 5 mil de Medeiros. O petista se elegeu para o executivo municipal. Em março de 2017, o IBSaúde fez contrato emergencial com a prefeitura. No final daquele ano, venceu licitação e presta serviço até hoje na UPA Scharlau. Apesar de apontamentos de órgãos de controle sobre possíveis irregularidades na prestação de serviços pela OS na unidade de saúde, o IBSaúde teve contrato mantido pela prefeitura no segundo mandato de Vanazzi.
Outras situações listadas na apuração dizem respeito à relação de suposta proximidade entre o IBSaúde e pessoas ligadas ao chefe do executivo municipal: Edvaldo Cavedon, que foi advogado de Vanazzi, e Frison, que foi secretário municipal em São Leopoldo em mais de uma pasta, incluindo, a Saúde.
O que mais chamou a atenção dos investigadores foram diálogos nos quais pessoas do IBSaúde marcam encontros com Cavedon ou Frison no mesmo dia ou data próxima a saques feitos na conta do instituto de valores cuja origem, muitas vezes, era de pagamentos efetuados pela própria prefeitura. Nas conversas, repetidamente, quem é do IBSaúde fala em entrega de "documentos".
Para a PF, esse é um forte indício de repasse de valores da OS para representantes da prefeitura, que seriam também intermediários do prefeito, segundo o inquérito. O GDI teve acesso a mensagens de WhatsApp que foram analisadas na investigação que mostrariam essas supostas negociações:
Em 1º de agosto de 2017, é feito saque de R$ 30 mil da conta do IBSaúde. No mesmo dia, Medeiros escreve para Luiz Antônio de Oliveira, também ligado ao IBSaúde e ao negócio em São Leopoldo:
Em dezembro de 2017, novo saque de R$ 30 mil é feito, seguido de conversa entre Cavedon, que não tem cargo na prefeitura de São Leopoldo, e Medeiros.
Em 19 de janeiro de 2018, ocorre saque de R$ 30 mil e nova conversa envolvendo valores.
Em 13 de março, ocorre saque de R$ 40 mil. No mesmo dia, Medeiros escreve para Cavedon:
A partir da investigação, a PF vê indícios de que Medeiros e Oliveira "pagavam valores para o prefeito municipal de São Leopoldo, Ary Vanazzi, e ao atual vereador Marcel Frison, através do testa de ferro e advogado de Vanazzi, Edvaldo Cavedon, possivelmente para manutenção do contrato do IBSaúde na gestão da UPA Scharlau. O grupo utilizava-se do codinome 'documentos' para sinalizar a entrega de valores, sacados, em espécie, muitas vezes, na mesma data em que a Prefeitura realizava o repasse dos valores para gestão da UPA".
Frison foi secretário em gestões de Vanazzi em mais de uma oportunidade. Entre janeiro de 2017 e abril de 2020, atuou como secretário geral de Governo. Entre janeiro e março de 2017, também acumulou a função de secretário de Saúde. De novembro de 2020 a janeiro de 2021, foi novamente secretário geral de Governo. E de janeiro de 2021 a abril de 2022, atuou como chefe da pasta da Saúde.
Ao listar Vanazzi entre os investigados, a PF destacou: "Atual Prefeito de São Leopoldo e ocupante da mesma função quando da contratação do IBSaúde em seu anterior mandato. Há indicativos de que pessoas muito próximas a si possam ter realizado a intermediação de valores que teriam este como destinatário final. Responsável pela assinatura de aditivos contratuais dignos de aprofundamento. Em determinada conversa, digna de aprofundamento, chega a receber de José Eri Osório de Medeiros o pedido de que incluísse num envelope pedidos que teria a serem feitos".
Com as apreensões feitas na Operação Septicemia, a investigação está agora na fase de análise de celulares e documentos. Depois disso, os suspeitos devem começar a prestar depoimento, em janeiro.
Contrapontos:
O que diz o prefeito Ary Vanazzi
O prefeito respondeu a reportagem por meio de nota:
Com relação à investigação em curso pela Polícia Federal pela Operação Septicemia, o Prefeito de São Leopoldo Ary Vanazzi esclarece que em suas gestões frente a Prefeitura de São Leopoldo sempre pautou a conduta pela probidade e nunca cometeu qualquer ilícito em processos licitatórios, ou mesmo, na execução de contratos, especialmente com o IBSaúde.
Reitera ainda, que não obteve ou obtem qualquer benefício pessoal na gestão pública, especialmente com o referido contrato.
Ainda, a posição expressa na matéria trata apenas de ilações sem a apresentação de quaisquer provas.
Reitero que continuo a disposição para colaborar com qualquer investigação dos órgãos de fiscalização, controle e apuração.
O que diz o vereador Marcel Frisson
O vereador respondeu a reportagem por meio de nota:
Com relação à investigação em curso pela Polícia Federal - Operação Septicemia - o vereador e ex-secretário de Saúde de São Leopoldo Marcel Frison ressalta que seus contatos com a empresa IBSaúde e membros da sua direção foram sempre formais e protocolares para tratar de assuntos relativos à prestação de serviços. Todos foram realizados nos espaços públicos da administração municipal.
Considera que os contratos firmados com o IBSaúde foram benéficos para o município.
A administração encerrou um contrato com a entidade (OSC) anterior, no valor de 1 milhão e 500 mil de reais mensais, para um emergencial de 750 mil mensais, comprovadamente ampliando a prestação de serviços de 3 mil para 9 mil atendimentos mensais. Depois, em concorrência totalmente lícita, realizada através de pregão em que outras organizações participaram, numa disputa acirrada, a atual entidade ganhou e seguiu atuando praticando as mesmas metas e cobrando valores semelhantes.
Além disto, o contrato da Prefeitura de São Leopoldo firmado com esta organização, representava à época e atualmente, valores inferiores aos praticados, para serviços iguais ou semelhantes, em outros municípios.
Frison considera importante a investigação da Polícia Federal, que envolve outras pessoas e municípios, e tem plena confiança que os órgãos de controle e fiscalização vão elucidar os fatos.
Da sua parte tem a consciência tranquila de que não cometeu nenhum ato ilícito. Frison seguirá trabalhando para o bem do serviço público e da comunidade e está a disposição para colaborar com quaisquer investigações dos órgãos de fiscalização, controle e apuração.
O que diz Núbia Valeriano Pires, advogada de Edvaldo Cavedon
O advogado se vê surpreso com o envolvimento do seu nome, uma vez que é apenas procurador de uma das partes envolvidas.
O que diz Daniel Kessler de Oliveira, advogado do médico Luiz Antônio de Oliveira
O GDI tenta contato.
O que diz Paulo Fayet, advogado de José Eri Osório de Medeiros
O GDI fez contato e aguarda retorno.
O que diz o IBSaúde
Sobre a nova nota divulgada na imprensa, referiu o advogado Paulo Fayet, do IBSaúde, que “não existe nenhum elemento concreto de prova até o momento que possa indicar a existência de fraudes, apenas conjecturas em cima de elementos que já eram de conhecimento das autoridades e que não sofreram sequer apontamentos do TCE”.
Ainda, disse Fayet que “ao contrário dos elementos divulgados, o Instituto é uma entidade de direito privado que historicamente sempre cumpriu com todas as suas obrigações contratuais na área da saúde e jamais teve qualquer atitude que pudesse ser enquadrada como fraudulenta. O inquérito não trouxe elementos seguros ou de mínima comprovação de ações penalmente relevantes, apenas ilações de ordem administrativa que serão esclarecidas com tranquilidade com o andar das investigações.”
Adentrando no mérito, disse o advogado que “no ano de 2016 a UPA de São Leopoldo era administrada por outra organização social, a qual recebia por volta de um milhão e quinhentos mil reais por mês, atendendo três mil pessoas por mês. Na administração IBSaúde, o contrato emergencial era de 750 mil mensais e o definitivo (após chamamento público) era no valor de 900 mil mensais — sendo atendidas 9000 pessoas mês.
Importante recordar, também, que no período onde foi administrada pelo IBSaúde, a UPA de São Leopoldo foi habilitada para receber recursos federais.
Vale recordar que todos os valores recebidos pelo IBSaúde foram contabilizados, passando pelo crivo da controladoria e setor de compliance”.