O Grupo de Investigação da RBS (GDI) teve acesso aos conteúdos de alguns dos grupos que impulsionam os protestos que contestam a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na disputa presidencial, derrotando Jair Bolsonaro (PL). A reportagem verificou como se organizam e como são financiados esses atos.
As manifestações foram centralizadas? Tudo indica que não. Cada região teve sua própria organização. O GDI identificou ao menos 30 campanhas de arrecadação montadas utilizando plataformas online de crowdfunding. A mais conhecida delas cobra 6,4% sobre cada doação.
Os bolsonaristas têm experiência nisso. Em maio, conseguiram, mediante vaquinha, dinheiro para a multa de R$ 405 mil aplicada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao deputado cassado Daniel Silveira (PTB-RJ) quando ele violou 27 medidas cautelares determinadas pela Justiça, na sua condenação de oito anos de prisão por atos antidemocráticos.
Agora, o dinheiro é usado para providenciar freezer e fogão industrial para os acampamentos, roupas de cama e mantimentos para os acampados. Muitos dormem em ônibus ou tendas armadas próximas a unidades do Exército.
Uma campanha intitulada Movimento Patriota nas Ruas, por exemplo (montada por uma organização chamada Jornalismo Independente, do Rio de Janeiro), arrecadou R$ 92,5 mil com 2.195 apoiadores.
E no Rio Grande do Sul? Falando a GZH, manifestantes admitem que receberam apoio de empresários. No centro de Porto Alegre, numa rua bloqueada pelos manifestantes nos fundos do QG do Comando Militar do Sul, um furgão e um caminhão da autointitulada Associação Força Tarefa Serra Gaúcha dão suporte aos manifestantes acampados na Rua Padre Tomé.
O presidente da entidade, Jorge Luís Trindade Moreira, diz que presta apoio aos atos públicos a pedido de empresários de Gramado, na Serra.
— Tem pessoas com noção de enfermagem, tem um bombeiro. Ajudamos, independentemente da ideologia. Vai que ocorra alguma emergência — diz Moreira.
Ele é microempresário. Sua empresa, com sede em Canela, faz organização de feiras, entre outras atividades. Os próprios manifestantes dizem que Moreira ajudou a organizar o acampamento na Capital.
Outra iniciativa conhecida para apoio às manifestações na Capital partiu do gabinete da vereadora Nádia Gerhardt (PP), a Comandante Nádia. Em 3 de novembro, uma solicitação de uma assessora dela, Dora Bertolucci, foi protocolada junto à prefeitura. Em nome da vereadora, Dora pediu "autorização para instalação de banheiros químicos por tempo indeterminado no entorno do Comando Militar Sul para utilização no denominado Acampamento Patriotas".
Dora é natural de Gramado, formada em Direito e faz postagens antiesquerda nas redes. Nádia é tenente-coronel da BM e, nas eleições deste ano, foi candidata ao Senado, tendo desistido do pleito em benefício de Hamilton Mourão, eleito pelo Republicanos.
Nádia diz que a assessora agiu a seu pedido e "corretamente", e que os protestos são feitos por "gente indignada", "sem necessidade de liderança".
— Sou patriota, como eles. Fui procurada como vereadora para conseguir autorização de instalação de banheiros. Não foi concedida, acredite. Falam em remover os manifestantes. Mas por que não removem gente acampada nas calçadas dos bairros, sem-teto, sem qualquer higiene, alguns procurados pela Justiça? Favelas a céu aberto. Aí não agem — diz a vereadora.
Houve incidentes durante as manifestações. Em um deles, em Encantado, no Vale do Taquari, uma barreira que impedia o tráfego na RS-129 no trajeto para Anta Gorda virou caso de polícia.
Chama a atenção que, no piquete de manifestantes, estavam vários políticos. Testemunhas apontam que a barreira era integrada, entre outros, pelo vereador Joel Bottoni (PSDB, de Encantado), pelo vice-prefeito de Anta Gorda, Robledo Andreolli (União Brasil), pelo vereador Diego Pretto (PP), de Encantado, e por Ramon Mazzarino, dono de funerária em Encantado.
Em 2 de novembro (feriado de Finados), um homem tentou cruzar o bloqueio e foi hostilizado. O carro dele estava adesivado com bandeiras de Eduardo Leite (PSDB, recém-eleito governador).
— Esses políticos da região distribuíam alimentos para os integrantes da barreira e estimulavam o bloqueio. Só consegui continuar com escolta do Comando Rodoviário da BM. Ainda fui multado pelos policiais por dirigir ameaçando pedestres na via pública, quando na realidade só tentei passar pelo piquete... — desabafa o cidadão, que registrou queixa criminal pelo trancamento da rodovia e que preferiu não se identificar.
Diego Pretto admite que "para estradas desde que era estudante universitário" e também protestou contra o resultado das eleições nos bloqueios de rodovias. Assegura que tentou fazer com que outros manifestantes entendessem o direito de ir e vir. Fala que "um cidadão tentou avançar contra o piquete", acabou liberado, mas registrou Boletim de Ocorrência.
— Os bloqueios existem por que não existem respostas a muitas perguntas importantes sobre o resultado das urnas, que estão sob suspeição. Tivesse voto impresso, nada disso ocorreria. Acho que as manifestações devem continuar.
Ramon Mazzarino diz que participou dos piquetes, mas que não tem mais ido nas manifestações e prefere não ser mencionado no episódio.
Joel Bottoni disse que esteve com o movimento só por dois dias, porque votou em Bolsonaro. Negou coação aos motoristas.
— Não conseguimos a reeleição. De forma democrática, respeito todos que fizeram outra opção. Espero que façam o melhor possível para todos os gaúchos e brasileiros — afirmou.
Robledo Andreolli garante que até esteve num dos bloqueios, mas não participou deles, nem os estimulou. Nega apoiar os piquetes:
— Nas minhas redes sociais, não tem nada disso. Nunca estimulei. Isso é contra a lei, né.
No Planalto Médio, foram disseminadas via redes sociais propostas de boicote a comerciantes e profissionais liberais eleitores de Lula. Além disso, sugestões para que se marcassem com adesivos de estrelas vermelhas casas de petistas — ato semelhante ao dos nazistas ao colocar estrelas de David nas residências de judeus. Foram registrados casos desse tipo ainda em Soledade, Gravataí e Teutônia.
A autora da denúncia das perseguições no Planalto Médio é uma moradora de Casca, a advogada Janaíra Ramos. Dias depois, o interfone da casa dela foi quebrado por um homem, episódio registrado em filmagens. Os incidentes culminaram, dia 23 de novembro, com agressões a ela por parte de um conhecido bolsonarista da cidade, o arquiteto Rodrigo Tondelo.
Tondelo participou de bloqueios na região, vestindo farda camuflada. Conforme Janaíra, ele a agrediu com tapas e chutes, dizendo "petista tem de morrer". Tondelo se apresentou na delegacia e confirmou ter dado um chute na advogada, "se excedendo" ao tomar satisfações de críticas recebidas. Ele não respondeu ao pedido de entrevista. O delegado que investiga o caso, Cristiano De Boni, não quer adiantar o teor do inquérito.
Neste fim de semana, completam-se seis semanas da realização do segundo turno das eleições.