O Ministério Público (MP) ingressou nesta sexta-feira (18) com ação civil pública pedindo à Justiça a indisponibilidade e bloqueio de bens da gestora do Hospital Lauro Reus, de Campo Bom, e da empresa Air Liquide a fim de garantir ressarcimento às famílias dos pacientes que morreram na unidade por falta de oxigênio, há um ano.
O caso ocorreu em 19 de março do ano passado, quando seis pacientes com covid-19 que estavam entubados morreram depois da interrupção do fornecimento do gás. A Polícia Civil indiciou seis pessoas por homicídio culposo ao concluir o inquérito.
A Air Liquide é a empresa que fornecia o insumo ao Lauro Reus. O hospital é administrado pela Associação Beneficente São Miguel (ABSM). A ação é assinada pela promotora Letícia Elsner Pacheco. A medida visa a garantir o ressarcimento dos danos materiais e morais sofridos pelas vítimas e seus familiares.
Segundo o MP, "a negligência ocasionou a morte de seis pacientes internados no local durante o período da instabilidade e nos momentos seguintes, e mais 16 no decorrer dos 15 dias após o fato".
A promotora também pediu a condenação solidaria dos réus à obrigação de indenizar os danos morais coletivos, em quantia a ser definida pela Justiça, em benefício do Fundo de Recuperação para Reconstituição de Bens Lesados.
"Não há como afastar a responsabilidade de ambas não apenas pelas mortes ocorridas naquela data e nos dias que se seguiram (pacientes que sobreviveram à privação de oxigênio nos momentos iniciais, mas que tiveram pioras em seus quadros clínicos e acabaram vindo a óbito), mas, mais do que isso, por todo o prejuízo coletivo imaterial suportado pela comunidade de Campo Bom, que se materializou nos sentimentos de medo e de descrédito na confiabilidade do sistema de saúde local", assinalou a promotora na ação.
Em outra ação, o MP pede que a Justiça determine que sejam retificadas as certidões de óbito dos seis primeiros pacientes mortos para que passe a constar como causa do falecimento "morte violenta, hipoxemia/asfixia, homicídio, mantidas as concausas já existentes nos registro".
Essas certidões apresentaram como causa do óbito, à época em que foram emitidas, "morte natural” por insuficiência respiratória aguda, síndrome respiratória aguda grave, hipoxemia, pneumonia viral, infecção por coronavírus, entre outros.
Os registros, segundo Letícia, não correspondem à verdade dos fatos: "Os seis óbitos ocorreram durante a privação de oxigênio dos pacientes que lá se encontravam intubados e, portanto, completamente sedados, incapacitados de ventilarem sem o auxílio mecânico e o aporte de oxigênio. Assim, independentemente do estado de saúde prévio de cada um, sabidamente graves, a verdade é a de que somente vieram à óbito naquele momento por fato externo traumático, qual seja, a supressão do aporte de oxigênio líquido em paciente intubado para ventilação mecânica".
Por parte da Polícia Civil, o entendimento foi de que o nexo causal entre a falha no fornecimento de oxigênio e a morte dos pacientes foi suficientemente documentada por informações constantes nos prontuários médicos dos pacientes, além de depoimentos de familiares, de médicos e de enfermeiras. A investigação foi conduzida pelo delegado Clóvis Nei Da Silva.
A polícia concluiu que as seis mortes registradas naquele dia foram em decorrência da falta de oxigênio. As vítimas são Suraí Silva da Silva, 51 anos, Fernando Cora da Silva, 39 anos, Zeli Maria Dias, 59 anos, Carmem de Fátima Liczbinski, 67 anos, Málsia Beatriz Mauser, 48 anos e Vani Heloína Diesel, 66 anos. O MP analisou o inquérito e solicitou mais diligências à polícia para decidir sobre a denúncia ou não dos indiciados ou de outras pessoas eventualmente envolvidas. O MP ainda espera esse retorno da polícia.
Contrapontos
O que diz a Associação Beneficente São Miguel (ABSM)
Sobre as ações do MP, a assessoria de imprensa informou o seguinte:
"Não fomos notificados nem informados oficialmente e estamos à disposição para maiores esclarecimentos e ações necessárias através do setor jurídico da instituição".
Sobre o caso, a ABSM emitiu nota oficial
"A direção do Hospital Lauro Reus (HLR), de Campo Bom, vem, através desta nota, enfatizar a cordialidade, a ética e o respeito com que tratamos todas as questões relacionadas à assistência em saúde da população de Campo Bom. Com posição de grande responsabilidade por ser referência no atendimento de casos suspeitos e confirmados no município de Campo Bom, desde janeiro de 2020 a instituição vem atuando para qualificar ainda mais o atendimento aos pacientes e as condições de trabalho de seus colaboradores, com foco na doença, sua prevenção e no tratamento. Medidas tomadas - Troca da empresa fornecedora de gases medicinais e alocação de novo tanque vertical de oxigênio líquido, com o dobro de da capacidade, passando de 2.000 metros cúbicos de O² líquido para os atuais 4.950 m³; Instalação de novo sistema de câmeras para monitoramento remoto e integral; ampliação do programa de capacitação de colaboradores e profissionais de saúde, instalação de sistema de Classificação de Risco para monitoramento agilização no tempo de atendimento, entre outras.
Apesar da adversidade e complexidade dos desafios impostos pela pandemia, o Hospital Lauro Réus redefiniu-se em função, principalmente, de dois fatores: resiliência e compromisso com a assistência à saúde da população.
Dados relevantes - No ano de 2021, sendo referência exclusiva para o atendimento de casos suspeitos ou confirmados do novo Coronavírus no município, atendeu a 354 pacientes Covid; 42.821 consultas médicas; 76.754 atendimentos; 1.096 cirurgias e 4.314 internações. Dados relevantes em plena pandemia.
Desta forma, reiteramos nosso compromisso como hospital referência para Campo Bom e região. Nossa instituição estará sempre à disposição para melhorar, tanto do ponto de vista de recursos humanos, tecnológicos, estruturais e principalmente, assistenciais, a fim de cumprir a missão de bem atender a sociedade.
Cordialmente,
Administração / Direção Administrativa-Financeira / Direção Técnica"
O que diz a Air Liquide
"A Air Liquide tem prestado todos os esclarecimentos referentes ao caso, nas instâncias em que é solicitada. No mais, a empresa tem por prática não comentar processos que estão em curso."